TEMPO DE LEITURA – 6 MINUTOS
Ataegina, Teixo e Tejo
{contexto geo-mítico ibérico}
Ao ler sobre os Teixos, no contexto geo-mítico da cultura Basca, sobressaiu o nome de Tejo, que significa Teixo em basco (e em castelhano). Meses depois e, ao pesquisar sobre esta semelhança, encontrei este bem fundamentado artigo. Onde o autor justifica a profunda e antiga ligação desta árvore com as águas do maior rio da península ibérica, tal como tinha fabulado no contacto com a proximidade linguística entre Tejo e Teixo. No artigo o autor escreve que: “Os povos celtas ibéricos há mais de 2000 anos tinham uma relação de culto com o teixo e ainda hoje subsistem exemplares monumentais pré-cristãos no Norte da Península. (…) segundo Estrabão (…) a zona onde nasce e corre o rio Tejo estaria povoada por tribos de descendência celta, os denominados Celtiberos.” De facto, as florestas de Teixos mostram sinais da sua antiguidade, de já existirem antes da última grande idade do gelo, voltando a crescer de cada vez. Na verdade, segundo este artigo, o género Taxus é considerado uma conífera relíquia, tendo aparecido na transição entre o Cretácico e o Terciário, há cerca de 66 milhões de anos. O teixo é aceite como o mais antigo género de árvores na Europa, com um registo fóssil de Taxus nesta zona da época do Miocénico, há cerca de 23 milhões de anos. A etimologia de Taxus liga-se com tóxico e seta, no acto de atingir ou caçar com uma seta envenenada.
De facto, o Teixo é uma árvore tão tóxica como sagrada, sendo uma das árvores nativas da Ibéria, que os povos nativos pré-romanos veneravam. Desde as qualidades da sua madeira, muito procurada para produzir arcos e setas, até à observação da longevidade e regeneração da árvore – a sua longevidade, que o associa à vida eterna, há relatos de alguns teixos que chegaram aos cinco mil anos; as folhas sempre verdes, que mantêm a coloração mesmo durante o inverno. Os ramos caídos dos velhos teixos podem enraizar-se e formar novos troncos onde tocam o solo, mesmo depois de cortado pode dar origem a uma nova árvore, simbolizando a morte e a ressurreição nas culturas proto-celtas do território ibérico. Estes povos antigos conheciam a toxicidade das agulhas desta árvore, o que pode ter contribuído ainda mais para as suas ligações com a morte. Shakespeare escreveu sobre uma bebida venenosa e mortífera que incluía “folhas de teixo, prateadas no eclipse da lua”.
As propriedades da madeira do teixo, densa e elástica, eram estimadas na antiguidade para diferentes fins: instrumentos musicais, mobiliário, bestas, arcos e flechas. A toxicidade do Teixo limitou um pouco as suas utilizações práticas para os seres humanos, embora se faça uma tintura homeopática de rebentos jovens. A polpa das bagas tem sido utilizada pelos herbalistas para tratar uma variedade de doenças, incluindo cistite, dores de cabeça e nevralgias. Os extractos de Teixo têm propriedades anti-cancerígenas. Neste artigo é referido que: “as partes verdes desta espécie contêm um potente alcaloide venenoso, a taxina, capaz de causar graves efeitos no sistema nervoso e cardiovascular dos animais e humanos, podendo levar à sua morte. A sua toxicidade levou à associação do teixo ao culto dos mortos e tornou-o comum em cemitérios. Mas a morte dos cavalos e burros que acompanhavam os funerais, assim como de outros animais que comiam as suas folhas, acabou por levar a que fossem retirados de cemitérios e igrejas, e eliminados de locais tradicionais de pastoreio.” Certamente que a relação eco-mítica entre o Teixo, Tejo e Atégina é anterior a este apagão.
Passagem de um texto de Francisco Marco Simón intitulado “Religion and Religious practices of the Ancient Celts of the Iberian Península” fala de outras ligações ao Teixo: “Eburianus é uma divindade registada numa lápide tumular de Duratón (Segóvia) cujo nome deriva do celta *eburos, ou “teixo” em gaulês, que está na base de topónimos como Eburobrittium (Évora) entre os Lusitanos, ou o Ebura encontrado no sul da Península Ibérica, a gens celtibérica dos Eburanci ou povos como os Eburones ou Eburovices na Gália. O teixo tinha uma importância extraordinária no mundo celta; uma passagem de César narra que Catuvolcus, chefe dos Eburones, se envenenou com teixo (BG 6, 31). Florus observou que, quando os cantábricos foram sitiados em Mons Medullius pelo legado Gaius Furnius no ano 22 a.C., a maior parte deles suicidou-se matando-se com uma espada, deixando-se queimar no fogo ou tomando um veneno extraído ex arboribus taxeis, isto é, do teixo (2, 33, 50-51). Trata-se de uma árvore muito comum na geografia sagrada das Astúrias actuais; de facto, cerca de 200 capelas rurais têm um grande teixo junto a elas. Vale a pena recordar a importância desta árvore na iconografia funerária da tribo cantábrica dos Vadinienses (…). Prudêncio, por volta do ano 400 (Contra Simacum 2:1005-1011) e Martinho de Braga na época visigótica (De correc. rust. 8) denunciaram o facto de os povos hispânicos adorarem árvores e pedras sagradas.”
Na antiguidade pré-romana, os povos proto-celtas ibéricos viviam num ecossistema de florestas vibrantes de teixos, carvalhos, castanheiros e oliveiras sagradas. A procura e extração de recursos na península pelos romanos, incluiu tanto metais como madeiras de teixo e carvalho, levados para Roma pela via Hercúlea e pelos rios ibéricos como o Tejo, intensificando a violenta e continuada desflorestação do território.
Ainda hoje em dia, e apesar da profunda desflorestação de espécies nativas, o que resta da malha verde de Teixos milenares ainda se encontra ao longo da bacia hidrográfica do Tejo, criando uma relação mítica, simbólica e simbiótica, entre a árvore e as águas. Claro que ao Tejo associam-se muitas ninfas e Deusas das Águas, como a Deusa Nábia. Mas quero aqui enlaçar a arcana Deusa Cabra, Ataecina, pela proximidade linguística – Teixo, Tejo, A{tégina}; assim como pelo profundo eco com a geografia mítica da Morte.
Dea Sancta Ataecina
A deusa ibero-lusitana Ataecina ou Ataegina (também conhecida por Ataegoma, Ataecoma, Atégina, Adaegina, Turibriga, Turobriga, etc.) era parte de um culto pré-romano a Dea Sancta Ataecina. Um importante culto indígena, continuo, na área correspondente às bacias do rio Tejo e do Guadiana. É uma Deusa agro-pastoril, infernal e salutífera, das florestas, noite e lua, nascentes e culto das águas.
Ataegina, Atégina ou Ataecina, cujo nome pode significar Ela é a Noite ou Ela é o Renascimento, era uma deusa indígena da aurora (noite e lua), do submundo, da primavera, da fertilidade, das florestas, dos rios, das colheitas, da saúde e da doença, das maldições e das bênçãos, da vida e da morte. Uma deusa primordial da Justiça e do tempo, corpo e território selvagem. O rio Guadiana, em Portugal, era-lhe sagrado, tal como o rio Tejo. Divindade primordial, Ataegina era invocada para a justiça – com ligações às virgens negras, as justiceiras dos mais fracos; o castigo dos malfeitores, a libertação dos injustiçados, a força contra os inimigos – a cura das doenças, a facilidade dos partos, a bênção das colheitas e dos projectos futuros, assim como nos funerais. Aparecia em sonhos proféticos.
Numas das prováveis estatuetas de Ataecina, recuperada em Espanha, se deitarmos água na sua cabeça, esta sai dos seus seios para a sua taça! Nalgumas mitologias, a água que flui de dois seios representa dois rios, talvez o Tejo e o Guadiana, que saem de uma montanha sagrada ou convergem numa única costa. Ela tem as cabras como os seus animais sagrados. As muitas cabras antigas de bronze e terracota da Península Ibérica representam-na ou eram-lhe oferecidas, algumas das quais têm mesmo inscrições para Ataegina. Outros símbolos incluíam as serpentes e, no seu aspeto primaveril, era adornada com flores.
Ataecina, a deusa do tempo selvagem, a que renasce da noite e do solo negro, a que volta do mundo dos mortos e conhece os segredos dos venenos. Tal como os Teixos, tóxicos e sagrados, à beira do Tejo, ela preside aos rituais das águas e da morte. Ela conhece a geografia mítica do submundo.
Ataegina, o Tejo e os Teixos formam assim uma triangulação cartográfica mítica, entre paisagem (Tejo), ecossistema (Teixo) e o sagrado (Dea Sancta). Esta matriz milenar e eco-simbólica ecoa e reverbera pelos tempos, ligando a sabedoria ecológica e imanente à potente reverência e entrelaçamento, entre as águas e os sonhos, os venenos e a morte, as profecias e os ritos sazonais. Lembrando que esta é uma lembrança de como sabemos fazer parte, de como um rio e uma árvore nos podem nutrir, fazendo-nos pertencer em devoção.
Não aspiro trazer perigosas ilusões de dogmas ou mitos estagnados, ou cristalizados no tempo, ou mesmo a ideação de pureza – os mitos sempre foram, como o território, vivos e selvagens, contaminados em fertilizações cruzadas, movem-se e mudam. Como refiro aqui: “Os Mitos não são fixos, modificam-se constantemente a partir do lugar, de uma experiência física num lugar concreto, evoluindo, transformando-se, modificando-se.” Mas aspiro a um remembrar de como a Psique Mítica, a Alma Ecológica e o Corpo Presente se entrelaçam e recordam, em responsabilidade e simbiose pelo Lugar Vivo.
Referências
- https://lojadehistorianatural.blogspot.com/2018/03/teixo-arvore-que-deu-o-nome-ao-tejo.html
- https://www4.uwm.edu/celtic/ekeltoi/volumes/vol6/6_6/marco_simon_6_6.html
- https://treesforlife.org.uk/into-the-forest/trees-plants-animals/trees/yew/
- https://florestas.pt/conhecer/teixo-tanto-amado-como-odiado/
- No livro dos Contos da Serpente e da Lua encontram um conto sobre Atégina e Endovélico. Também podem ler aqui o Conto – A Menina Cabra – Belinda e Benilde.
- No livro O Santuário – Ensaios sobre Eco-Mitologia, dedico algum tempo a revelar e tecer as relações entre as cabras, o tempo e o território.
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🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência.
Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.