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🐺 Lobo – Criador e Professor
A tradição europeia, moldada pelo medo e dominação, domesticou os contos como os corpos, humanos e não-humanos. O conto do Capuchinho Vermelho, um rito de iniciação, foi cooptado por séculos de moralidade patriarcal, onde o lobo foi transformado em inimigo, em predador puro, em mal encarnado. A sua soberania foi rasgada e o seu papel co-criador apagado.
Antes desta traição simbólica, existiam histórias onde o lobo não era ameaça, mas parente. Onde a menina e a avó não eram vítimas passivas a serem salvas por um herói de machado, mas sábias que cozinhavam o caldeirão de transformação.
A’po Issa é a memória do Lobo não como vilão, mas como professor ancestral, criador de mundos, mestre de dignidade relacional. Nos contos indígenas do sudoeste norte-americano, o lobo ensina os primeiros protocolos de convivência, os rituais de passagem, o saber-fazer das relações. O lobo que fomos ensinados a temer é, noutras cosmovisões, o mesmo que abre o caminho de volta à escuta profunda. O que habita o território onde as rochas ainda falavam e onde os ritmos do céu estavam entrelaçados com os passos da alcateia.
“Enquanto semeava, colhia, descascava, lavava ou cortava, a minha avó recordava como o Primeiro Povo honrava a figura nobre e heróica do Lobo, o que previra a chegada da humanidade, planeando um mundo ideal para as pessoas. “A’po Issa, o nosso pai Lobo” – contava ela – “é o deus criador, meio homem, mas todo Lobo.”
Oferecemos de volta ao lobo a sua voz, não como metáfora da sombra a superar, mas como parente que guarda as chaves de uma sabedoria imprevisível e fecunda.
Recusar o modelo do “lobo mau” é recusar também o modelo de “natureza má” que deve ser conquistada, domada, extinta. É recusar a epistemologia que separa, hierarquiza e reduz. Porque os contos não são sobre vencer monstros, mas sobre entrar em relação com o indomável, com o que escapa ao controlo, mas que mesmo assim (ou por isso mesmo) nos transforma de volta.

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