A Aranha Prometida
O mais novo de três irmãos, é enviado pelo pai em busca de uma noiva. O pai dá instruções precisas aos irmãos para que lhe tragam presentes. Passado pouco tempo, o irmão mais novo começa a trazer para casa belas ofertas: as melhores roupas, toalhas primorosamente bordadas, lindas meias tricotadas e deslumbrantes lençóis tecidos. Tudo magicamente urdido por uma misteriosa donzela. O pai exigia conhecer a rapariga tão prendada que o seu filho encontrara.
O rapaz mantinha cuidadosamente a sua prometida em segredo porque ela era uma Aranha que vivia no celeiro da aldeia, que inexplicavelmente transformava os melhores panos e bordados a partir do interior de nozes, amêndoas e avelãs. Com as suas múltiplas patas e a ajuda da sua seda de aranha, ela pacientemente urdia e enleava as linhas. Cada fio uma promessa, cada novelo um rezo, cada linha uma oração, cada trama uma prece. O irmão mais novo ficara encantado pelas belas e complexas criações da Aranha, enamorado da sua presença e companhia, maravilhado por tudo o que com ela aprendia e partilhava. Na verdade, conheciam-se desde sempre.
Antes de regressar a casa, com a Aranha a seu lado, ele tinha de a desencantar, transformando-a, mesmo que momentaneamente, numa bela donzela humana. O desencanto era uma provação violenta, pois o rapaz tinha de lhe cortar as patas e destruir a teia-casa. Antes da reparação, a ruptura. Antes da promessa, a desilusão.
O jovem leva para casa a mais bela noiva humana, de uma formosura de outro mundo. Na festa de casamento, houve quem gozasse com a estranheza da invulgar noiva, pois apesar de estar agora numa pele humana, a sua presença continuava a ser potente e perturbadora. A Noiva Aranha recolhia agora ossos, colocando-os na mesa do banquete nupcial. Para espanto de todos os convidados, durante a celebração, os ossos encantados que a noiva havia recolhido transformaram-se misteriosamente em abundantes joias e coloridas flores. Assombradas, outras convidadas tentaram fazer o mesmo, mas não conheciam o mistério dos ossos ou da teia da vida, os ossos mantêm-se apenas ossos.
Espantados, os convivas notam enquanto o desencanto lentamente se esboroa e a noiva se transforma em Aranha de novo, revelando o seu ser-teia, abraçada pelo agora marido humano. Afinal o enlace estava apenas a começar.
Conto de trama animista da minha autoria inspirado nos contos tradicionais: APFT 61 – “A Aranha Encantada” in Oliveira 1900, nº 62, Loulé e APFT 587 – “A Aranha” in Pedroso 1985, nº XXVI, Lisboa [= 1882, nº XXVII; Meier / Woll 1993, nº 3]
🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência.
Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.