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TEMPO DE LEITURA – 3 MINUTOS
Quanto mais tempo continuaremos a evitar o luto?
Ao longo de vinte anos a trabalhar com outras pessoas, tenho viajado por abismos de dissociação gigantescos. Uma enorme voragem entre as nossas necessidades e as necessidades dos complexos e fascinantes sistemas que nos sustentam. Continuamos, como grupo cultural, a evitar as questões difíceis que permeiam o nosso momento e a nossa realidade. Continuamos a subtrair-nos do contexto, recuperando as paredes que nos fragmentam vezes sem conta.
Estamos preocupados com a harmonia deste mundo interior, encontrar os melhores métodos e práticas que trazem paz às nossas vidas. Continuamos a confiar na experiência domesticada, tentando encontrar valor e propósito dentro da realidade pequena e superficial, dissociada.
Estas paredes contêm-nos e não nos deixam entrar ou sair. Exilamo-nos do próprio sistema que literalmente nos cria, nutre, e sustenta. Perdemos o contacto com as relações das coisas. Ficamos fixos nos objectos em vez do que os liga, ou a nós. E assim os nossos objectivos tornam-se estreitos e pequenos no grande esquema das coisas. Isto não é um defeito individual, mas um desafio cultural ensurdecedor. Sim, ter um espaço seguro é de valor num mundo cru e impermanente. Mas esta camada de existência “simples e controlada”, muralha-nos do lado de fora da realidade consciente que está sempre em movimento em ciclos, sempre em mutação e mudança.
As paredes não acomodam a mudança devido à sua fundação; elas existem para evitar mutações.
Caos, decomposição, destruição e violência fazem todos parte do padrão original de cada ciclo de vida. Não podemos evitá-lo. Somos parte dele, quer queiramos, quer não. O luto, por outro lado, é a nossa ferramenta integrada para lidar com estes duros movimentos da vida, para poder passar por eles, mudados e conectados. Para sermos capazes de encontrar novos caminhos e paradigmas. Sempre humilde, e em relação a tudo o que existe.
O mundo e os sistemas desmoronam-se. Poluição em grande escala, toxicidade, genocídio e ecocídio, ameaça de perda de biomassa, extinções sistemáticas, e aprisionamento de todos os sistemas vivos. Todos sentimos isto no fundo, mas por vezes confundimo-lo com tristeza ou alguma emoção a passar.
Cada uma das nossas consciências singulares está entrelaçada com o mundo e a consciência cósmica. As nossas emoções não são apenas nossas. Elas são o mundo que se cria e se entristece a si próprio.
São os animais, as plantas e as paisagens a chorar as suas perdas. As nossas paredes e muros não podem conter isso.
Muitos de nós aspiram a sentir-se inteiros de novo, embora nunca o tenhamos sentido antes. Mas ansiamos por isso. Sentimos a falta. E procuramos formas de o voltar a sentir com terapia, consultas, livros, ou aprendizagem de novas capacidades. Normalmente, implica ou necessita de algum tipo de evento que mude a vida. Mas a nossa totalidade nunca pode ser sentida numa realidade fragmentada e domesticada. A nossa totalidade é selvagem, e move-se com a terra, muda com os ciclos, está para além das paredes das nossas casas. É para ser descoberta numa ligação radical e porosa com tudo o que existe.
Ela vive no fluxo integral e vital da realidade.
Ser inteiro significa recuperar a nossa percepção da destruição do mundo. Abrir os nossos corações à violência perpetrada contra a natureza, animais, plantas, mulheres, crianças, e outras culturas. Deixar tudo isto entrar.
Sacudir violentamente os nossos ossos, fazendo-nos soluçar sob o peso esmagador da nossa negligência cega. Sacudir violentamente os nossos ossos, fazendo-nos render à responsabilidade visceral e antiga que molda o nosso lugar no mundo. Sacudir violentamente os nossos ossos, fazendo-nos recordar. Voltemos à totalidade, remendando o tecido da criação, para além das paredes.
Recordar o nosso humilde lugar com tudo o que existe.
Por quanto tempo vamos continuar a evitar o luto?
Durante quanto tempo vamos continuar a cortar a ligação radical?
Durante quanto tempo mais não nos sentiremos inteiros?
🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência.
Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.