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Natureza não é neutra, cura ou refúgio

 

Na superfície encantadora da ideia de “prescrever natureza” há uma promessa de bálsamo — ir ao bosque serenar a ansiedade, escutar os pássaros para silenciar o ruído interior, caminhar descalço para nos reconectarmos. Mas o que se esconde sob essa prescrição suave, quando o chão que pisamos está envenenado, e o ar que respiramos carrega resíduos de uma guerra química invisível, mas constante?

Talvez seja o momento de deixarmos cair a ilusão que a natureza é um lugar “limpo” e separado, como um spa verde de bem-estar disponível a todos igualmente.

Porque os lugares estão feridos — há lesões sépticas espalhadas pelos rios, pelos campos, pelos corpos. Os limiares nunca foram puros. E o gesto de “ir para a natureza” pode inadvertidamente mascarar ou silenciar essa dor coletiva, como se o sofrimento humano pudesse ser aliviado sem escutar o sofrimento da terra que o acolhe.

Não se trata de rejeitar a prática de estar com os lugares — mas de a tornar radicalmente honesta. Ir para a natureza não como fuga, mas como confronto, não para dissociar, mas para acolher. Como reparação. Como disposição a sentar no meio da clareira e escutar. Porque a Terra, mesmo contaminada, continua a chamar-nos — mas não para sermos seus turistas ou curadores, mas sim as suas testemunhas. As suas carpideiras. Os seus parentes atentos.

Talvez o convite não seja a desintoxicar-nos na natureza, mas a escutar como a toxina vive em nós — e a lembrar que cura não é limpeza, mas relação.

Relação com aquilo que não se resolve, que não se sublima, que não se transforma em produto de bem-estar. E talvez seja aí, nesse charco afetivo e político, que outra ecologia pode emergir — não a ecologia dos corpos que se distanciam da dor, mas a dos corpos que se sentam com ela, com o coração em fratura aberta.

A fantasia da Terra como virgem e pura — tal como a mulher, santa ou prostituta — é uma construção colonial e patriarcal que permite desejar, explorar e violar com a promessa de redenção. Na prescrição de natureza como refúgio curativo, essa ilusão permanece: procura-se uma clareira limpa, inóspita ao trauma ou imune à história. Mas as terras estão feridas. As águas já carregam memória dos medicamentos e produtos de limpeza para ela despejados e os fungos florescem sobre metais pesados.

Ao nomearmos a Terra como “mãe”, mas recusarmos reconhecer as feridas que lhe abrimos, recusamos também a maturidade da nossa própria responsabilidade.

Toda “pureza” projetada sobre os lugares serve mais à manutenção do privilégio do que à regeneração. Talvez a verdadeira intimidade com a Terra precisa não de um regresso à virgindade perdida, mas a coragem de tocar nas suas lesões sépticas — sem desviar o olhar.

Sem desviar o olhar.

Sem fechar o coração.

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{Ecopsicologia}

🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência. 

Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.