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Cuidar como prática de rendição
{interstícios de relação com o mundo ferido}
Escutar é suspender o ego.
A escuta que se abre ao mundo
Há gestos que não começam com as mãos, mas com o coração nu. O primeiro sopro desta espiral chama-nos à escuta — não para exigir respostas, mas para nos permitir ferir pelas perguntas do mundo. Ao sair da obsessão das nossas narrativas internas, abrimos espaço para o pulsar do fora, o sussurro daquilo que insiste em viver apesar da devastação. Escutar, neste chão, é um gesto de humildade radical: deixar-nos afetar sem pressa de traduzir. Porque as relações não nascem de conceitos, mas de tropeções, desencontros e interstícios — onde a lógica treme, mas o vínculo lateja. O cuidar, neste chão, é o fio que não se parte mesmo quando o caminho é acidentado. É o início do Cuidar enquanto prática relacional, não para remediar, mas para comungar.
Sentir é par(t)ir-se em relação.
A queda no sentir
Ao escutar, começamos a cair. Parimos. Partimos. Nesta rutura, algo se revela, o corpo em fragmentos é também solo fértil para a ternura. Cuidar torna-se então um verbo conjugado na pele fina e esfolada, no choro que encontra eco noutras gargantas. Aqui, a dor não é vergonha nem falha — é situação de encontro. A prática relacional emerge do coração partido, da responsabilidade partilhada, do amor que se curva e não precisa de vencer. É um ritual de rendição, um hino ao coração partido como prática, à fragilidade como portal de relação. Aqui, cuidar não é algo que se faz quando se está inteiro. Mas o que fazemos precisamente porque estamos despedaçados. Aqui, a loucura, a dor, o luto, a beleza, a ecologia ferida — não são “temas”, mas condições de co-presença. Neste momento da espiral, cuidar é deixar que o luto nos atravesse, sem a urgência de fechar a ferida ou de calar os uivos.
Encontrar a Terra é lembrar a reciprocidade.
O encontro com a Terra
O último movimento da espiral leva-nos de volta à Terra, não como paisagem, mas como parente. Aqui, o cuidar não é sobre o que podemos dar, mas sobre a rendição àquilo que já nos está a ser oferecido, mesmo em ruínas. O muro treme. O riacho canta ainda que ferido e amordaçado. As águas, domesticadas, ainda lavam. O gesto torna-se oferenda: lágrimas salgadas, mãos vazias, coração aberto. Cuidar como relato-devocional, em cantos profundos do que é impossível nomear, mas que se deixa tocar quando nos entregamos ao movimento da vida — mesmo no não-saber. O momento em que o cuidado se torna recíproco, onde o território, mesmo violentado e domesticado, ainda responde, ainda abraça. Aqui, não há certeza, nem solução, mas há corpo, emoção, e uma relação que não precisa de ser eficaz para ser sagrada. Neste ponto, cuidar é aceitar que nunca saberemos o suficiente, que talvez nunca possamos retribuir à altura e ainda assim, voltamos. Voltamos. Porque cuidar é permanecer em relação, mesmo sem garantias.

Referências
- Artigo Cuidar, não para prevenir, mas para viver através de.
- Grito-Oração Se não puderes cuidar.
- Artigo A Abundância através dos muros em ruínas
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🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência.
Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.