Que amor te trouxe aqui?
Pergunto-me enquanto o meu coração bate forte no peito.
Que corpo me ancora?
Respiro mais devagar. Sem pressa.
Todos os dias, todos-os-dias, penso em sair das redes sociais.
Redes que me aprisionam, cansam, distraem e consomem.
A maioria do conteúdo deprime-me realmente.
Todos os dias.
Mas nunca saio.
Os grilhões dizem: nunca.
Mas…
Como criadora e organizadora dos meus próprios projectos e conteúdos, as redes sociais são plataformas de exposição do meu trabalho.
Não da minha intimidade. Mas de mim, dos temas e ideias que me desafiam e alimentam.
Então nunca saio.
Das redes virtuais que semeiam em cada um de nós o sentimento contínuo de escassez, na procura incessante de ressonância, em cada descarga de dopamina a cada interação. 1 like, 1 comentário, uma fugaz relação.
Um vício metabólico cuidadosamente estudado e induzido, pois os utilizadores são o próprio produto.
Todos os dias penso em sair das redes sociais.
Todos!
Mas nunca saio.
E se sair? Como o meu trabalho terá visibilidade? Sempre e só o destaque algoritmicamente possível, claro. Apenas a tração limitada à relevância permitida pela identidade virtual.
Onde e como posso expressar as minhas questões?
Os meus sentires e reflexões?
Tenho inscrições suficientes? Quanto vou ganhar este mês, se algo?
E nunca saio.
Nunca.
Continuamente a iludir-me sobre a eficiência e visibilidade na esgotante e incessante produção de conteúdos.
Na ininterrupta partilha de horas de investigação e criação, que facilmente se desdobra em interações superficiais.
No vazio da economia da atenção que banaliza a inspiração, querendo sempre mais e mais.
Na destituição e futilidade do compromisso e reverência da sagrada atenção.
Continuo, apesar de toda a dificuldade da fluidez e transformação da identidade virtual. Com todos os grilhões e obstáculos à mudança de forma e metamorfose da identidade, quando explorada pelo algoritmo.
E assim alimento um sistema predatório. Todos os dias.
A tentar seguir os sussurros da minha Alma, talvez a tenha vendido.
Pela elaborada e fabricada sensação de ausência e carência.
Numa fantasia de comunicação livre, num delírio de competência e produtividade.
Na frustrada e impermanente tentativa de alinhar propósitos com “ganhar a vida.”
Qual o real custo de sair?
Onde e como posso expressar as minhas questões?
Os meus sentires e reflexões?
Tenho inscrições suficientes? Quanto vou ganhar este mês, se algo?
Que amor me trouxe aqui?
Volto ao coração e à respiração.
Como me vejo e respeito?
Como nutro a ternura selvagem?
Como acalento a complexa intimidade?
Como guardo o sagrado?
Como fortaleço a confiança radical?
Referências:
“Que amor te traz aqui?” é uma questão elaborada por NEEMA GITHERE, dentro da sua pesquisa experiencial sobre os conceitos de trauma digital e identidade.
Neema Githere é uma curadora não binária queniana-americana e teórica de guerrilha baseada na #digitaldiaspora. Tendo sonhado para o mundo através da Internet desde tenra idade, o seu trabalho arquiva e é comissariado em torno da sua própria maturação como nómada digital.
The Data Healing Recovery Clinic – A feminist tech vision by Neema Githere
(*) Este uivo refere-se às minhas questões sobre o uso quotidiano das redes sociais e não das comunidades virtuais, onde se desenvolvem relações profundas.
🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência.
Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.