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TEMPO DE LEITURA – 3 MINUTOS
Perdemos muitos mundos.
Vários povos indígenas de todo o mundo tem este ditado:
“Perdemos muitos mundos”
Já há algum tempo que estou sentada com esta frase potente. Primeiro, ardia como tudo, pois a sua textura é de tragédia, morte, e perda. Veio como um aviso ancestral da própria vida – uma lição do passado profundo, uma história cautelosa de desastre.
Aqui no Ocidente, vivemos imersos numa visão limitada da história e da realidade. As nossas histórias são sobre o herói conquistador – aquele que ganhou.
Reis e imperadores que viveram para campanhas militares, defendendo e atacando, conquistando e massacrando. Aproveitando a riqueza para si próprios, cortando a cabeça do inimigo, anexando as suas terras, proibindo os seus deuses e rituais.
Mantendo-nos na história do herói narcisista, aquele que mata e conquista por capricho, que vive por medo da diversidade e da própria vida, todos os lugares conquistados e subjugados tornam-se irrelevantes. Assim, os mundos nunca se perdem, apenas se anexam e se vencem. Há mesmo uma narrativa que vai ainda mais longe, onde estas conquistas, ecocídios e genocídios são para trazer a paz, para salvar os selvagens e os seus habitats. Para os educar, dando-lhes oportunidades no mundo moderno.
Nesta visão do mundo, os mundos não se perdem, apenas se normalizam no progresso sempre em expansão. Estas terras conquistadas estão apenas a cumprir a sua missão de servir a cultura de massa tecnológica.
Quando algo se perde, é para ser subjugado como um recurso, destruído ao encontro do seu destino de ajudar o modo de vida moderno. O pluriverso da vida torna-se estreito, desmoronado, e simplista. Viemos a adorar o monólito, o mono-deus, como a única verdade possível.
Quando nos ligamos a este aviso intemporal, a primeira impressão dói. Ter de reconhecer que perdemos, de facto, muitos mundos. A sabedoria multifacetada foi esquecida. Muitas línguas foram proibidas, muitos deuses foram aniquilados, a terra foi negligenciada. As leis abstractas e verdades absolutas substituem o conhecimento contextual. Também nós perdemos muitos mundos.
A segunda impressão sacode-nos do adormecimento colectivo. Quando nos apercebemos que estamos quase a perder mais um mundo, desta vez à beira do precipício da extinção. Num mundo complexo, os problemas exigem respostas complexas, intergeracionais e multidimensionais. Mas, num colapso da diversidade durante milénios, perdemos possibilidades e capacidades de resposta. Esquecemo-nos da miríade de padrões de conhecimento contextual, do seu fluxo e dos seus ritmos. A singularidade de cada lugar em particular, na sua forma multivocal. A perda de muitos mundos é a perda da variedade e da diferença. Embora os sistemas (eco)-vivos dependam do contraste e da diferença para prosperar.
O terceiro passo, aquele que se segue ao choque inicial, é reconhecer um dos padrões finais da criação; muitos mundos foram e serão perdidos. Uma e outra vez, expandindo-se e contraindo-se, dobrando e desdobrando-se. O sempre mutante e exprimindo o pluriverso, criando e destruindo. Chamem-lhe as estações da criação, desde o nascimento até à morte.
Ligando-se a este grande padrão, com o seu próprio ritmo pulsante, somos capazes de sentir esperança nesta frase sagrada. Já perdemos muitos mundos antes.
Isto significa que as comunidades conseguiram sobreviver antes e regenerar os ecossistemas ao longo do tempo, criando as condições para a vida voltar a prosperar. As comunidades em cooperação transformam-se e adaptam-se, não tomando cada vez mais, mas compreendendo o seu lugar no sistema. Esta frase cautelosa é um antigo e sagrado apelo à nossa responsabilidade como guardiões da vida, restaurando e recriando a nossa humilde posição na complexa teia da vida.
Gratidão pelos seus guardiões, que os escutemos com o coração!
🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência.
Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.