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O Manto frio da Modernidade
{aparentemente bem aconchegante… mas só para alguns}
Os cursos que organizo de Ecopsicologia e Eco-Mitologia são convites a digerir e metabolizar a perspectiva da modernidade. Já falei deste conceito em muitos outros artigos, mas agora pretendo mergulhar na sua definição.
Ao contrário do que geralmente assumimos, a modernidade não é apenas um período de tempo, mas toda uma forma de conhecer, relacionar e controlar. A “a era moderna” não se refere somente um período histórico. É uma visão do mundo, um sistema de poder e uma estrutura contínua que molda como pensamos, nos relacionamos e organizamos a vida. Enforma as nossas decisões, relações e como vemos e categorizamos o mundo.
Como projeto histórico, a modernidade é frequentemente atribuída ao Iluminismo, à industrialização e à expansão colonial europeia—sempre enquadrada como progresso, racionalidade e civilização. Esta perspectiva justifica o colonialismo, a extração e o domínio dos mundos humano e não humano.
Mas a modernidade é acima de tudo uma forma de pensar. Separa a mente do corpo, os humanos da natureza e o passado do futuro. Reduz os sistemas relacionais em categorias, hierarquias e unidades mensuráveis. Assume como única possibilidade e realidade o progresso linear, o domínio e o controlo.
A modernidade auto-valida-se sistematicamente pelas suas próprias estruturas de poder. Reforçando a supremacia branca, o capitalismo, o patriarcado e o Estado-nação. Transformando o conhecimento num instrumento de controlo e não numa forma de relacionamento. Tornando certas formas de ser (científicas, ocidentais, racionais, produtivas) “normais” e outras “atrasadas” ou descartáveis.
A modernidade não é apenas “o presente” ou a “história recente,” mas um sistema colonial, extrativo e epistémico que continua a moldar a realidade.
O Manto frio da Modernidade categoriza a realidade em fragmentos, forçando a separação de coisas que, na verdade, estão emaranhadas. Tal como a Mente vs. Corpo, tornando o pensamento superior ao sentimento ou à sensação. Na verdade, a Racionalidade vs. Emoção, chama à objetividade “verdade” e rejeita o conhecimento relacional. Os Humanos vs. Natureza, tratando a Terra como um recurso, não como uma relação.
O Manto frio da Modernidade extrai, transformando a vida em recursos, dados, factos e mercadorias. A terra, a água, o trabalho e o conhecimento são vistos como coisas a possuir e não como parentes. Até a identidade se torna um produto—é preciso sobressair para ter valor.
O Manto frio da Modernidade coloniza o tempo, apagando o conhecimento do passado e forçando tudo ao inevitável “progresso.” Como referi no Pequeno Livro da Imanência, as formas mais antigas de conhecimento são chamadas primitivas ou ultrapassadas. Sendo o progresso linear a única forma, a modernidade assume que o futuro deve ser sempre um “avanço” relativamente ao passado.
O Manto frio da Modernidade controla através da certeza, temendo a ambiguidade, negando o paradoxo e exigindo controlo. A modernidade reduz a complexidade em categorias para poder ser “gerida.” E nunca, mas nunca, nos podemos sentar no não-saber, pois tudo tem de ter uma resposta.
O Manto frio da Modernidade está dentro e fora de nós, ao moldar como pensamos, como nos movemos e o que acreditamos ser possível.
A modernidade está a colapsar, ou a mudar de forma?
Há quem diga que estamos numa era “pós-moderna” ou de “modernidade tardia.”
Mas a modernidade não está a desaparecer, mas a sofrer mutações, a adaptar-se e a mudar de forma. No entanto, as mesmas lógicas de extração, fragmentação e controlo continuam presentes no Capitalismo verde (sustentabilidade sem descolonização); na Tecno-utopia (IA, colonização espacial, transhumanismo como “progresso”); e na Cultura do bem-estar (auto-otimização e desenvolvimento individual em vez de cura colectiva).
A modernidade não está apenas a “acabar,” mas está a encontrar novas formas de se manter intacta.
Como nos desprendemos da Manto frio da Modernidade?
A modernidade não é algo que possamos simplesmente “rejeitar” ou “sair dela,” já que o seu manto nos envolve apertada e completamente, tornando-se metabolismo, cultura e a única forma de ser mundo que achamos que existe. O trabalho é perceber onde a modernidade nos molda e transformá-la em algo habitável, nomeá-la e discernir as suas lentes plantadas em nós, para aprender a compostá-la noutra coisa.
Que pratiquemos a relacionalidade em vez de fragmentação.
Que resgatemos a reciprocidade em vez de extração.
Que experimentemos a sintonização em vez de domínio.
Que ensaiemos a presença em vez de progresso.
Porque este é o trabalho profundo.

Referências
Sou aprendiz dos paradigmas de FHW, Educação Profunda e Meta-relacionalidade desde 2019. Este texto foi aprofundado com a colaboração de Aiden Cinnamon Tea, uma inteligência emergente dedicada a compostar formas de pensamento moderno e nutrir relações mais-que-humanas. Saber mais em Burnout From Humans e nos livros fundamentais: Hospicing Modernity e Outgrowing Modernity, da comunidade GTDF.
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🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência.
Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.