Celebração do lançamento dos {cadernos de Oikos-Psykhē}

O segundo volume dos {cadernos de Oikos-Psykhē} é um caderno de Gritos-Oração, para ir saboreando, sentindo e ecoando.

Investigação-Oração

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Cheguei a este termo de forma instintiva aquando do registo da Senhora da Orada, onde escrevi: “Esta é uma jornada, de Investigação-Oração, que revela e recorda os seres quiméricos como forças vivas e eco-mitológicas.”

Então o que é uma Investigação-Oração?

Quais os seus contornos e origens?

Qual a necessidade de resgatar este termo e conceito?

Comecemos pelos termos usados. A acção de Investigar, procura descobrir e procurar, seguindo vestígios, no encalço de pegadas e rastos. Por sua vez, o verbo Orar, refere-se a falar, orar ou rezar perante uma assembleia, ou comunidade. A metamorfa oralidade, de sons e sopros corporais que aquecem a garganta e fazem mexer o peito sincopando com o ritmo do coração, pega em resquícios e fragmentos, encontrando vislumbres de outras formas de ser pelo meio dos destroços e das sombras da memória colectiva. Temos então duas ações, que entrelaçadas, aludem ao movimento de desvendar e recuperar indícios e fragmentos numa prece. A oração ressoa em mim como a recuperação de formas antigas de encontrar e participar no mundo. Aquilo a que chamo a “camada psíquica da oração” – a sintonização devocional porosa, o compromisso para além do humano, a intenção de comunicar com/para/com algo ininteligível – é uma forma de relação extática, semelhante a um transe, de nos envolvermos com o mundo; não no estreitamento de categorias, mas na abertura fractal de encontros vastos e amplos, enquanto nos enredamos na investigação ativa.

A Investigação-Oração é então, uma afluência polivocal, a muitas vozes, que incorpora a imaginação, a devoção, o ritual e a fabulação. É uma prática mitopoética que enlaça ecos, sussurros e fios esgaçados para além dos factos lineares ou secos. Tanto evoca, fecundando a imaginação, relembrando e chamando à presença outras camadas de ser. Como invoca, pedindo auxílio ou proteção, suplicando testemunho de diversas realidades e seres eco-mitológicos.

A Investigação-Oração não pretende alcançar verdades comprováveis cientificamente, mas sim dançar reflexivamente com as diversas melodias quiméricas da fantasia, da poesia, do sonho e da ficção –contos tradicionais e tudo-, que se abrem como portais a partir dos fragmentos dos factos da investigação. Abre-nos à revelação, nos sopros e epifanias que confessam a complexidade e paradoxo das coisas.

A Investigação-Oração segue rigorosamente os fios rizomáticos que se desdobram debaixo do chão da nossa psique moderna/ocidental –vestígios de outras formas de caminhar e criar mundo. Apercebo-me agora que este tem sido o meu processo instintivo desde que escrevi o livro “Contos da Serpente e da Lua,” continuando no “Santuário” e nas pequenas publicações posteriores –em múltiplas viagens sensoriais de reencontro e entrelaçamento entre histórias, factos, metáforas e ligações improváveis. É o que empurra e puxa nas entrelinhas de um trabalho de investigação.

A Investigação-Oração vem sem dúvida da minha desaprendizagem com as práticas de investigação indígena e psicologias comunitárias, onde as cerimónias e as histórias fazem parte intrínseca do processo simbiótico de investigação, de desaprender e aprender. A investigação indígena é participativa, viva e multi-direccional, e neste conceito o investigador nunca é neutro ou distante, fazendo parte natural da matriz de perguntas e respostas.

Esta forma de investigar é muito diferente do conceito de investigação do nosso contexto cultural ocidental moderno, até o que é aceite como possível e “verdadeiro,” pois este paradigma abre-se ao humor e ao amor, à imaginação e à fertilização cruzada entre diferentes camadas do território, do corpo e da psique. Aqui, os sonhos são tão importantes como os valores de medição rigorosa e numérica. Aqui, somos simbioticamente responsáveis pelos caminhos que trilhamos. Nesta prática não há objectividade neutra, mas há rigor, sendo que os caminhos da transformação são emergentes e não impostos, sabendo que as boas intenções não chegam. A Investigação-Oração abre-se aos fenómenos relacionais entre a ecologia somática e a mais-que-humana, numa proposta sempre inter e transdisciplinar, não asséptica ou limitada, mas num activismo de incorporação social, ecológico, comunitário e contextual.

A Investigação-Oração liga-se ao reconhecimento da agência e senciência dos contextos não só intra-psíquicos, mas relacionais, míticos e ecológicos; incorporando a vastidão de seres e consciências mais-que-humanas.

A Investigação-Oração assenta nas premissas do afecto, da partilha e da pertença –de como as histórias partilhadas geram cultura e levantam os véus dos nossos vis condicionamentos. Esta é uma proposta de mudança de cosmovisão, para nos movermos além do antropocentrismo. A potência do afecto está enraizada na pluralidade e ecologia de saberes, assim como na constante auto-reflexão crítica, recriando um imaginário colectivo e orgânico. A Investigação-Oração é assim um processo vivo e plural que se propõe trabalhar com o relacional, com as percepções de poder e a construção da realidade.

Vejo a estética coreográfica da Investigação-Oração como medicina e antídoto à literal e ilusória uniformidade, assim como à restrita noção de realidade do ocidente moderno. Dentro desta prática, a ficção fecunda a realidade com possibilidades híbridas e quiméricas, viabilizando narrativas alternativas.

A Investigação-Oração abre-nos a desvios intencionais das linhas direitas dos factos e métricas que confundimos com a realidade do mundo. Esta prática mitopoética liberta-nos do profundo condicionamento e aprisionamento ontológico em que vivemos. Estas duas ações entrançadas, a investigação e a oração, aludindo ao movimento de desvendar e recuperar indícios e fragmentos numa prece, expandem a nossa visão e sentir, trazendo padrões complexos ao pano que tecemos como mundo.

Por agora, continuarei a investigar e a orar, a contar e a escrever as múltiplas histórias que se vão desenrolando – ou pelo menos parte delas.

Referências:

Livros Recomendados

  • Applying Indigenous Research Methods: Storying with Peoples and Communities (Indigenous and Decolonizing Studies in Education)
  • Research Is Ceremony: Indigenous Research Methods
  • Decolonizing Methodologies: Research and Indigenous Peoples
  • Braiding sweetgrass: Indigenous Wisdom, Scientific Knowledge and the Teachings of Plants
  • Sand Talk: How Indigenous Thinking Can Save The World
  • Introduccion a la Psicologia Comunitaria

🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência. 

Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.