Então o que fazes?
Inevitavelmente surge a clássica pergunta: Então o que fazes? Uma pergunta que facilmente se baralha com “quem és”.
Surge sempre um silêncio… nunca sei o que responder. O que faço?
Faço tanta, mas tanta coisa em diferentes dimensões da vida. Já fiz tanta coisa… nas diversas e ambíguas fases, ciclos e contextos da vida. Farei tantas outras que nem imagino. Como todos nós.
Por que o que faço profissionalmente tem de me definir? Fixando, limitando e demarcando quem supostamente sou. Mantendo-me numa caixa, com o rótulo, currículo e diplomas “correctos”, de forma apresentável e supostamente inteligível. Num paradoxo tanto de atribuição a um grupo profissional como de destaque individual. Quando nem sei o que “profissionalmente” quer dizer, pois 98,9% do meu trabalho de investigação e criatividade não é pago sequer.
Nunca sei o que responder…
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Mas sei que a curiosidade é a minha guia e companhia.
Sei que não sei tanta, mas tanta coisa, que nem imagino o que não sei.
Sei que me movo pela complexidade e a tensão entre o luto, o encantamento e a exaustão. Convido a sabedoria do luto e do deslumbramento, como ferramentas de sabedoria ecológica profunda.
Sei que conversas ancoradas em gentileza, colectividade, responsabilidade e parentesco são pertença.
Sei que o mundo arde pela preguiça confortável, margeando o privilégio e ilusão de imunidade de alguns, assim como pela ignorância voluntária de tantos.
Admito a herança da violenta separação e domínio da modernidade que vive nos nossos metabolismos, mas recordo, madura e responsavelmente, o legado mamífero-mítico mais profundo: inter-ser, emaranhamento, hibridação, simbiose, pertença, soberania, colectividade, dignidade e respeito.
Trilho caminhos trans e inter-disciplinares: misturando porosamente o que emerge dos interstícios nas camadas imaginais, míticas, cosmológicas, ecológicas e científicas.
Sei que a Investigação-Oração é uma cerimónia viva que nos aproxima do mistério nutridor: não no estreitamento de categorias, mas na abertura fractal de vastos e amplos encontros simbióticos, enquanto me enredo na investigação ativa.
Danço reflexivamente com as várias melodias quiméricas da fantasia, da poesia, do sonho e da ficção, especulação, imaginação, dos contos populares e de tudo o mais.
Sei que sou a forma humana do território e por isso cultivo intencionalmente a intimidade, nutrindo uma proximidade de parentesco visceral, gestada pelo tempo, atenção, humildade, compromisso, paciência e lentidão. Apesar de todas as minhas limitações e pontos-cegos.
Os meus múltiplos eus forjam e remendam palavras, gritos e seres híbridos, que expresso em livros e (des)formações.
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Talvez não me saiba definir, porque tenho mesmo relutância em separar as várias camadas e áreas caleidoscópicas da vida em prateleiras estanques com fronteiras definidas. Talvez porque sou apenas mais um mamífero, tão válido quanto todos os outros.
Em várias tradições nativas e contextuais, a resposta ao que fazemos ou quem somos, é uma teia de relações não apenas humanas. Uma linhagem de parentesco viva, ancorada no território e nos seus guardiões, antepassados e familiares.
Tenho saudades de pertencer e ser encontrada, de ser conhecida e recebida, sentida e testemunhada.
Então sou apenas isso. Viva, por agora.
🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência.
Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.