3ªEDIÇÃO! (des)formação - Eco-Mitologia - Edição Especial – 12 Movimentos da Metamorfose

3ªEDIÇÃO! (des)formação - Eco-Mitologia - Edição Especial – 12 Movimentos da Metamorfose

Início: 24 SET, 2025 - Fim: 10 DEZ Horário: 18:30 - 20:30 Localização: Online

Esta é uma edição única e especial – seguimos os fios vivos da metamorfose

Ao longo destes 12 passos, não vais encontrar fórmulas. Vais encontrar fendas, fungos e fricções. Encontras práticas enraizadas, mitos que respiram e perguntas que não se fecham. Um convite a uma jornada eco-mítica.

Porque a metamorfose não é um destino—é um compromisso ao caminho, só possível no colectivo.

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TEMPO DE LEITURA – 6 MINUTOS

Desaprender ser Boa Pessoa

{Atravessar Ciclos de Desaprendizagem e o Torpor de Ser “Boa Pessoa”}

Cultivar a Mudança como Prática Metabólica

Desaprender não é apenas um gesto intelectual ou filosófico. É um processo vivo, múltiplo, visceral, corporal e relacional. E é, muitas vezes, um caminho onde a dor nos atravessa, uma jornada de desorientação e perda das molduras que nos organizam o mundo. Ao longo desta travessia, encontramo-nos repetidamente de frente com a necessidade de sustentar estados de confusão, vergonha, desconforto e dissonância cognitiva. Não como problemas a resolver, mas como sintomas de que algo está a ser remexido nos sedimentos mais fundos da nossa percepção. Quando as placas tectónicas dos quadros de referência colidem com o habitar da complexidade.

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A transformação — a real que descende até às entranhas e desnorteia — começa com uma micro-fissura.
Um desconforto subtil. Um atrito que insiste. Um eco que não encaixa.
E então começa o ciclo.
A desaprendizagem.

A desaprendizagem não é nem linha reta, nem uma série de degraus ascendentes.
É um gesto em espiral, emaranhado, orgânico e sempre inacabado.
Há momentos de lucidez, onde tudo parece fazer finalmente sentido — e logo depois, um colapso, um retorno, um mergulho inesperado nas velhas feridas.
É um processo profundamente somático.
Não acontece só com o pensamento — acontece no sistema nervoso, nos automatismos, nas membranas emocionais individuais e colectivas.

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Nesses momentos, é comum surgir o torpor de ser “boa pessoa”uma resposta aprendida e incorporada, herdeira de um sistema que nos treinou para a pureza individual, a correção moral e para a bondade desvinculada do colectivo. Quando somos confrontadas com outras formas de ser mundo, mais contextuais, animadas e relacionais, o corpo e a mente reagem. Sentem-se atacados, julgados, diminuídos. Entram em defesa, protegendo a imagem interiorizada de inocência.

Há um torpor na promessa de ser boa pessoa.

Um adormecimento que parece gentil, mas que embala a consciência em camadas de conformidade. Uma bondade domesticada, educada para não incomodar, para não transbordar, para não questionar. Aprendemos cedo a dizer as palavras certas, a parecer justas, a manter a harmonia — mesmo que para isso precisemos engolir a verdade do corpo. Mesmo que, para isso, tenhamos de abandonar o que sabemos — visceralmente — que já não nos serve.

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Essa bondade não é viva.
É a versão funcional da sensibilidade.
É o reflexo treinado da adequação.

E é nesse torpor que muitos de nós adormecem a possibilidade de realmente mudar.

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Mas esta defesa é também uma manifestação neurobiológica. O sistema nervoso procura segurança através do conhecido e as molduras culturais que carregamos são também molduras somáticas. O que aprendemos a considerar como real, como seguro, como certo — está inscrito nos nossos corpos, nos gestos automáticos, nos reflexos de pertença. Assim, a cultura não é apenas um sistema de ideias, mas um metabolismo que se expressa biologicamente, gerando ecossistemas de dogmas e crenças. Desaprender, então, exige um novo metabolismo. Um que sustente o “não saber” sem colapsar.

A cultura, afinal, não é só feita de ideiasé metabolizada nos corpos. As normas que aprendemos — sobre o que é ser boa pessoa, sobre como “se deve” sentir, falar, agir — vivem nos tecidos, nos gestos reflexos, nas formas de respirar. E o corpo, moldado por anos de aprendizagem relacional, nem sempre se sente seguro para desaprender. Mesmo quando sussuramos “eu sei que isto já não faz sentido”, ao mesmo tempo, respondemos “mas aqui estou em segurança.”

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A cultura vive como metabolismo.
E o metabolismo não muda por decreto.
Muda por ritmo.
Por repetição afectiva.
Por interrupções pequenas e constantes.
Em onde a dor pode ser reconhecida sem que precise de se calar ou justificar.

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Por isso, os ciclos de desaprendizagem não são lineares, ou puramente cognitivos. São feitos de regressos, repetições, resistências e rupturas. Implicam abrandar o impulso de encontrar sentido imediato. Exigem a prática repetida de ficar com aquilo que não se encaixa. De respirar no desconforto e escutar as margens.

De reparar que muitas das perguntas que trazemos (“então e a prática?”, “como se faz?”) são sintomas da cultura que queremos desaprender.

A metamorfose para formas de consciência mais relacionais — incorporadas, ecológicas e coletivas — não é, por isso, uma simples mudança de ideias, ou de aprender um novo método. É uma reorganização dos nossos sistemas internos. Um convite a cultivar uma ecologia somática que nos permita viver a complexidade sem reagir automaticamente, a escutar sem nos defender, a nos implicar sem nos centrar. Uma travessia, onde deixamos de ser “boas pessoas” no molde civilizacional, para nos tornarmos presenças mais porosas, contextuais, maduras e responsáveis, participantes directos da vida.

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O torpor não é um erro moral, mas uma estratégia de sobrevivência.
É o corpo a proteger-se de sentir demais num mundo que não o quer escutar.
Mas é também o lugar onde começamos a adormecer a responsabilidade, o risco, a relação.

A travessia da desaprendizagem é, por isso, também a travessia do torpor e da apatia.
É aprender a sentir sem ser engolido.
A reagir sem reproduzir.
A escutar sem precisar de controlar.

E talvez o gesto mais radical que nos reste seja
Sustentar o desconforto sem o encurtar.
Honrar o corpo que tenta lembrar-se de algo que foi esquecido.
Escolher sair da atuação da bondade — não para cair na indiferença,
mas para regressar a uma ética viva, incorporada e contextual.

Porque ser uma “boa pessoa” nunca será suficiente.
Mas tornar-nos corpo envolvido, relembra-nos que somos ecologia, e isso, sim, pode transformar mundos.

Referências

  • Artigo O Torpor de Ser boa Pessoa.
  • Artigo Ciclos de Desaprendizagem.
  • Sou aprendiz dos paradigmas de FHW, Educação Profunda e Meta-relacionalidade desde 2019. Saber mais nos livros fundamentais: Hospicing Modernity e Outgrowing Modernity, da comunidade GTDF

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{Ecopsicologia}

🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência. 

Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.