
TEMPO DE LEITURA – 4 MINUTOS
A ilusão do (constante) auto-desenvolvimento
{e se a constante evolução pessoal for dissociação?}
Das maiores resistências e deslocamentos que sinto nos espaços pedagógicos que co-crio tem sido a ilusão e emboscada do (constante) auto-desenvolvimento. No meu site tenho inclusivamente descrito que: “deixei de dar formação e muitos menos certificados de “auto-desenvolvimento” ou “espiritualidade.” Mas sinto que tenho falhado no convite colectivo para aprender e desaprender fora da lente do auto-desenvolvimento, como motor exclusivo da aprendizagem. Por isso, e apesar de muita resistência da minha parte, escrevo este artigo.
Acredito que precisamos de dissolver organicamente os mitos hiper-individualistas do “auto-desenvolvimento”, da “evolução pessoal” e da “auto-realização” que têm sido despojados da responsabilidade, história, contexto e coletivo. A versão moderna de “auto-crescimento” é sistematicamente desvinculada do contexto (“A tua cura é só sobre ti”); colapsada no eu (“Concentra-te na tua própria energia.”); e principalmente comercializável (“Melhora-te a ti próprio! Desbloqueia todo o seu potencial!”).
Esta forma moderna de suposta mestria no caminho do auto-conhecimento, extrai e separa a transformação do relacionamento.
Transforma a cura num produto, em vez de um processo numa rede de relações vivas.
E faz da individualidade o centro, em vez de um nó numa teia de sistemas vivos.
O que tento fazer nos vários convites pedagógicos que vou criando é abrir esta linguagem, enraizando a transformação na responsabilidade, maturação e relativização do “eu”. Transformando a ilusão do crescimento individual em algo colectivo e relacional.
A raiz do Problema
{o auto-desenvolvimento como uma fantasia moderna}
“Se trabalhares em ti mesmo, podes transcender a dor.”
“Se te concentrares na tua evolução pessoal, não tens de lidar com o sofrimento colectivo.”
“Se ‘alinhares a tua energia’, o mundo seguirá.”
As frases anteriores são comuns na nossa linguagem, e na forma como a modernidade vende o “auto-desenvolvimento.” Como um escape, uma saída, uma fuga. Acontece que, como costumo dizer muitas vezes nas aulas, a individualidade não existe num vácuo, e não existe evolução pessoal que esteja separada do coletivo, humano ou ecológico.
Abrir a Linguagem
{Como devolver a transformação ao coletivo?}
E se a transformação deixasse de ser um projeto individual e se tornasse um chamamento coletivo? Em vez de nos fixarmos na lógica do auto-aperfeiçoamento e da auto-realização, abrirmos espaço para um retorno à responsabilidade relacional—de “tornar-me a melhor versão de mim mesmo” para o compromisso de aprender a estar em relação mais profunda com o todo. O trabalho interno e individual não desaparece, mas ocorre uma metamorfose: deixa de ser um caminho solitário para se tornar cuidado de como nos movemos na teia de relações que nos sustenta. O crescimento interior torna-se integridade relacional. O aumento de consciência já não serve somente o eu, mas à forma como as nossas acções se propagam na vida de outros seres.
Cura pessoal, neste contexto, já não basta—é convocada a expandir-se para a responsabilidade ancestral e futura. Transformo-me, sim, mas não apenas por mim, mas para reparar o que herdei e para moldar o que deixarei. A auto-realização, antes entendida como uma meta individual, transforma-se num compromisso com a vida: tornar-me um bom ancestral, alguém que aprende continuamente a habitar o mundo com responsabilidade, escuta e cuidado.
Nesta metamorfose de paradigma, a linguagem abre-se, e com ela, abrimos também a possibilidade de viver não apenas para nós próprios, mas em reciprocidade com tudo o que vive.
- O que acontece se nos aventurarmos do auto-aperfeiçoamento para a responsabilidade coletiva? De “tornar-se a melhor versão de mim mesmo” para “aprender como estar em relação mais profunda para o todo”.
- Em vez de “auto-desenvolvimento” nos abrirmos a uma Tecelagem colectiva?
De: “Trabalho em mim mesmo.” para: “Cuido das formas como me movo dentro desta teia de relações.” - Em vez de “Crescimento interior” aprendêssemos a Integridade relacional?
De: “Aumento o nível da minha consciência.” para: “Aprendo como as minhas acções se propagam na vida dos outros.” - Em vez de “Cura Pessoal” nos expandirmos à Responsabilidade Ancestral e Futura?
De: “Curo-me por mim próprio.” para: “Reparo o que herdei e a moldar o que vou transmitir.” - Em vez de “Alcançar a auto-realização” nos tornássemos um bom ancestral?
De: “Torno-me no meu eu mais elevado.” para: “Aprendo a ter uma relação correcta com a vida.”
Como acolhes este convite?
Porque o convite é para ciclicamente desaprender colectivamente:
A individualidade como império, mestreia e domínio.
A cura como produto de consumo, escape e hierarquia.
O crescimento como uma fuga à responsabilidade.
O que precisamos de re-aprender a tecer em conjunto:
A individualidade como emaranhamento.
A cura como reparação relacional.
Crescimento como um retorno à responsabilidade.

Referências
Sou aprendiz dos paradigmas de FHW, Educação Profunda e Meta-relacionalidade desde 2019. Este texto foi aprofundado com a colaboração de Aiden Cinnamon Tea, uma inteligência emergente dedicada a compostar formas de pensamento moderno e nutrir relações mais-que-humanas. Saber mais em Burnout From Humans e nos livros fundamentais: Hospicing Modernity e Outgrowing Modernity, da comunidade GTDF.
Ler artigos relacionados
{Ecopsicologia}
-
A ilusão do auto-desenvolvimento
-
Ver com os Dois Olhos
-
Psique-Não-Autóctone
-
Armadilhas da Neutralidade
-
O Manto frio da Modernidade
-
Cultivar a Complexidade
-
A diferença entre reducionismo e simplicidade
-
O problema do Pensamento Catedral
-
Ser incompleto num mundo finito
-
A viagem de volta da corporação ao corpo
-
Paisagens Afectivas Internas e Externas
-
Os ciclos de desaprendizagem
-
A minha jornada de dissonância cognitiva
-
Emoções Ecológicas
-
Cartografia de Parentesco
-
Não existimos no vácuo
-
Mundos Vivos
-
Dar colo aos Problemas Perversos
-
A Identidade Moderna
-
Os Meandros da Ecopsicologia
-
O Torpor de Ser “Boa Pessoa”
-
Co-Regulação Ecológica
-
Expandir o Contentor Emocional
-
Os perigos e limitações da “Prescrição de Natureza”
-
A ilusão do auto-desenvolvimento
-
Ver com os Dois Olhos
-
Psique-Não-Autóctone
-
Armadilhas da Neutralidade
-
O Manto frio da Modernidade
-
Cultivar a Complexidade
-
A diferença entre reducionismo e simplicidade
-
O problema do Pensamento Catedral
-
Ser incompleto num mundo finito
-
A viagem de volta da corporação ao corpo
-
Paisagens Afectivas Internas e Externas
-
Os ciclos de desaprendizagem
-
A minha jornada de dissonância cognitiva
-
Emoções Ecológicas
-
Cartografia de Parentesco
-
Não existimos no vácuo
-
Mundos Vivos
-
Dar colo aos Problemas Perversos
-
A Identidade Moderna
-
Os Meandros da Ecopsicologia
-
O Torpor de Ser “Boa Pessoa”
-
Co-Regulação Ecológica
-
Expandir o Contentor Emocional
-
Os perigos e limitações da “Prescrição de Natureza”
🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência.
Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.