Quando a pele fica transparente

Quando a pele fica transparente

E as asas se partem

~

Quando esticas e esgaças a pele viva

Nem dás conta

Ninguém vê

Entre a transparência e a invisibilidade

Tornas-te opaca

~

Quando as asas se partem

E cais a meio do voo

~

Esticas a pele que fica fina

Pele que pica e arde

Que coça e arranha

Fina

Esgaçada

Transparente

As penas caem

O osso quebrado

~

Quem te ampara é o chão

Mesmo que duro e exausto

Acolhe-te na queda

Agarra o que resta de ti

Dá colo aos fragmentos

~

Deixa-te cair, sussura-me

Mesmo em carne viva, aninha-te aqui

~

Ontem, num dia de pele fina e esgaçada, encontrei um melro no chão com uma asa partida. Não o soube ajudar. Olhámo-nos longamente. Talvez nos tenhamos reconhecido, talvez não. Não sei a sua história, mas a sua asa partida ressoou com a minha pele transparente. Não o quis capturar ou limitar a ser o meu símbolo, mas não o soube ajudar. Apenas o consegui ver e suster o seu olhar. Honrei-lhe o corpo e a atenção, prestei atenção ao mistério da sua história. Encontrei-me nele, mas não sei se ele se encontrou em mim.

🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência. 

Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.