
TEMPO DE LEITURA – 10 MINUTOS
TEMPO DE RE-APRENDIZAGEM – UMA VIDA INTEIRA!
Problemas super-complexos e Pensamento Rizomático
Abordagem linear vs. abordagem rizomática aos problemas
Emergência – Crise ou broto?
Referências
A Lenda da Aldeia dos Rizomas
Dizem os antigos que, no coração da Península, há uma aldeia que ninguém consegue desenhar num mapa, porque cada vez que alguém a tenta medir, ela muda de lugar. É ali que os problemas do mundo vão dormir, os grandes, os sem início nem fim, os que nem os sábios conseguem resolver. Ali os problemas crescem como teias e entrelaçam-se nas raízes do mundo.
Ali ninguém os tenta resolver, sentam-se à mesa, ouvem-se, deixam-se respirar. De noite, as crises e dores entrelaçam-se debaixo da terra, aninham-se e trocam seiva e sentido.
Os velhos da aldeia dizem que esses problemas não são pragas nem castigos, mas seres vivos, feitos de sombra e seiva, que crescem como rizomas, por baixo da terra, trançando tudo o que tocam. Por isso, ninguém na aldeia fala em resolver, fala-se em conviver.
Dizem que quem ali chega aprende devagar, que o problema não se corta, cultiva-se e que da crise, se for bem regada, nasce sempre um broto de mundo novo. Ali tecem o mundo devagar, com fios invisíveis. Não distinguem o início do fim, nem o erro do milagre. Chamam isto de coemergir… quando crise e broto se abraçam no mesmo chão.
Se puseres o ouvido junto à terra desse vale, ouves um murmúrio fundo, como um coração subterrâneo a respirar, não é o som do fim, mas o das raízes a pensarem juntas, aprendendo, sem pressa, a transformar o problema em pertença.
– – –
Este conto faz parte da rede múltipla de experimentações do Activismo Eco-Mítico e da rede pedagógica de (des)formações.
Problemas super-complexos e Pensamento Rizomático
Os chamados problemas super-complexos descrevem situações cuja complexidade, imprevisibilidade e auto-referência impossibilitam definir soluções claras ou lineares. São problemas que não têm um início identificável, nenhuma forma estável e, para piorar a situação, dada a necessidade e a exigência modernas de resolução, os próprios «solucionadores» estão implicados na perpetuação do problema. São simultaneamente causa, efeito e sintoma, sustentando as crises e o colapso contínuo.
Tal como o colapso ecológico, a injustiça social sistémica e a extração planetária, não são problemas que possam ser resolvidos, mas situações que são vividas, sentidas e experimentadas através da implicação.
Nesse sentido, os problemas super-perversos estão relacionados ao pensamento rizomático (Deleuze & Guattari), pois ambos rejeitam hierarquias e centralidades. Como um rizoma ou micélio, esses problemas se espalham lateralmente, multiplicando conexões, criando desvios, bifurcações e recombinações inesperadas. Eles não têm um único tronco ou um caminho previsível. São compostos por múltiplas entradas e saídas, afetos contraditórios e as lógicas ilógicas do mundo vivo. Embora tenha trabalhado durante anos com e através do pensamento rizomático, esta ligação com os problemas complexos só se tornou evidente recentemente e tocou-me visceralmente. Foi um daqueles momentos de revelação em que pude discernir a realidade partilhada dos hiper-problemas elusivos e do pensamento complexo, descentralizado e rizomático. O que se segue é um pensamento com, sentindo através desta afinidade recentemente descoberta.
Pensar sobre problemas perversos com lentes rizomáticas é abandonar a fantasia da «causa única» ou da «solução definitiva». É aceitar que estamos sempre já dentro, envolvidos, emaranhados.
É compreender que o problema não é algo a ser dominado à distância, mas uma relação na qual estamos afetiva, histórica e materialmente implicados. Neste emaranhado, não se navega com mapas coloniais, mas sim por afinidades subterrâneas, ouvindo os sinais do solo e seguindo narrativas espirais. Aqui, a prática não é de resolução, mas de dissolução coletiva, de compostagem, de pequenas insurreições que cuidam sem controlar, ouvem sem simplificar.
Como propõe o pensamento rizomático, os problemas super-perversos exigem uma ética de relação, não um corte limpo, mas um cultivo paciente do emaranhado. Exigem a coragem de estar com o problema, como Donna Haraway nos convida, e não fugir, remediar ou simplificá-lo. Talvez, mais do que resolver, o convite seja para habitar o problema seguindo a práxis de Vanessa Andreotti, com ternura e ferocidade, como alguém que aprende a respirar no micélio.
Como bell hooks nos lembra em Teaching Critical Thinking, pensar criticamente não é um luxo intelectual, mas uma prática de cuidado radical, consigo mesmo, com os outros, com o mundo. Ela afirma que o pensamento crítico começa com a capacidade de ouvir com presença, de abrir espaço para a complexidade sem reduzi-la.
Em tempos de múltiplas emergências e verdades contestadas, hooks oferece-nos uma pedagogia de enraizamento, uma prática amorosa e indisciplinada que não separa o saber do sentir, a teoria do corpo ou o intelecto da imaginação.
Habitar o problema, então, é também um gesto educativo, uma práxis, uma aprendizagem experiencial que não teme o paradoxo, mas o acolhe como parte do campo fértil onde outras formas de vida e pensamento podem emergir.
Abordagem linear vs. abordagem rizomática aos problemas
Note-se que o objetivo não é demonizar a abordagem linear, mas descentralizá-la como o único modelo válido de pensamento e ação. Como diz Val Plumwood, estamos no reino binário fértil e não a usar lentes hierárquicas e dualísticas. E sim, a abordagem rizomática ecoa paradigmas indígenas de relações complexas.
Sobre a natureza do problema
- Abordagem Linear (Moderna/Colonial) – Simples ou complicada, com causa e efeito definidos.
- Abordagem Rizomática – Complexa, emaranhada, relacional e instável.
Ponto de entrada
- Abordagem Linear (Moderna/Colonial) – Um ponto central e fixo; «o problema» é identificado.
- Abordagem rizomática – Múltiplas entradas e saídas; não há centro.
Objetivo
- Abordagem linear (moderna/colonial) – Resolver, eliminar e alcançar um fim claro e definido.
- Abordagem rizomática – Habitar, ouvir, metabolizar com responsabilidade.
Epistemologia
- Abordagem linear (moderna/colonial) – Baseada no controlo, na medição e na eficiência.
- Abordagem rizomática – Baseada em relacionamento, sensibilidade e multiplicidade.
Ação esperada
- Abordagem linear (moderna/colonial) – Intervenção rápida, correção, “solução”.
- Abordagem rizomática – Co-presença, escuta prolongada, transformação lenta.
Posição relacional
- Abordagem linear (moderna/colonial) – Observador externo, especialista que “sabe”.
- Abordagem rizomática – Co-envolvido, empenhado, aprendiz contínuo.
Tempo
- Abordagem linear (moderna/colonial) – Urgência e imediatismo.
- Abordagem rizomática – Longevidade, ritmo orgânico, tempo da terra.
Afeto predominante
- Abordagem linear (moderna/colonial) – Ansiedade para corrigir ou dominar.
- Abordagem rizomática – Curiosidade, humildade, desconforto fértil.
Exemplos pedagógicos
- Abordagem linear (moderna/colonial) – Plano de ação, diagnóstico, metas e indicadores.
- Abordagem rizomática – Mapa vivo, narrativas multivocais, metáforas ecológicas.
Exemplo de metáfora
- Abordagem linear (moderna/colonial) – Canal de irrigação direto.
- Abordagem rizomática – Micélio em expansão e mutação.
Prática dominante
- Abordagem linear (moderna/colonial) – Faça algo sobre o problema, resolva-o! Agora!
- Abordagem rizomática – Conviva com o problema (Haraway), gere práticas coletivas.
Emergência – Crise ou broto?
Recordamos que a palavra emergência vive num campo de dissidência. Foi exilada e colonizada pela modernidade como sinónimo de urgência, alarme e crise. Um apelo a respostas rápidas, soluções imediatas e restrições operacionais. É claro que a modernidade se identifica com um sentido perpétuo de crise e urgência, ignorando paradoxalmente as crises reais, pois há muito que colapsou as suas estruturas afetivas, aquelas que sustentariam o «estar com».
Na sua raiz mais profunda, emergere em latim significa «sair», «emergir». Algo que brota, que se revela, que exige presença em vez de ação.
Quando pensamos nos problemas supercomplexos que não podem ser resolvidos, a lógica da urgência tende a atropelar e envergonhar o tempo de sentir, metabolizar e ouvir o que está a nascer. Numa práxis rizomática, recuperamos o outro significado da palavra «emergência», não como um alarme, mas como coemergência, uma dança entre o medo e o terreno fértil. A diferença entre extinguir o sintoma ou ouvir o que ele traz pode ser a diferença entre repetição ou regeneração. O pensamento rizomático também nos ajuda, ao não procurar resolver o que surge de forma linear, mas ao enraizar-nos no emaranhado, sem negar o desconforto. Não desviar o olhar.
Coemergir é aprender a habitar o paradoxo de que algo pode ser uma crise e um broto ao mesmo tempo.
Referências
- Andreotti, V. (2021). Hospicing Modernity: Facing humanity’s wrongs and the implications for social activism. Berkeley, CA: North Atlantic Books.
- hooks, b. (2010). Teaching Critical Thinking: Practical Wisdom. Nova Iorque, NY: Routledge.
- Haraway, D. J. (2016). Staying with the Trouble: Making Kin in the Chthulucene. Durham, NC: Duke University Press.
- Deleuze, G., & Guattari, F. (1987). A Thousand Plateaus: Capitalism and Schizophrenia (B. Massumi, Trans.). Minneapolis, MN: University of Minnesota Press.

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