Os Meandros da Ecopsicologia

Este pequeno artigo traz uma série de notas soltas sobre os meandros das perguntas ao primeiro contacto com o chão da Ecopsicologia. Falam de dúvidas e questionamentos que nos aprisionam e não nos permitem sentir ou imaginar diferente. Ecoam o percurso acidentado de reaprender a relacionar, tendo sido adaptados das minhas respostas a alunos da formação de Introdução à Ecopsicologia, na EDT.

{Desvincular dói}

Os conceitos lineares de desenvolvimento pessoal exclusivamente antropocêntrico, e particularmente os perigosos quintoimperismos –ideações perversas e hierárquicas de excepcionalismo cultural– são lentes demasiado dissociadas da sabedoria mamífera, perdidos em ideações hierárquicas e transcendentes. São conceitos demasiado divulgados hoje em dia, que nos mantém encarcerados em incoerências imaturas e inocentes, usados como desculpas para nunca se assumir ou trabalhar a sombra cultural que nos mantém cativos. Ignorando o quanto estas linhas invisíveis evitam o real diálogo e relação com os outros-não-humanos, na diversidade de sentir entre o encantamento e o luto.

A questão é que a nossa cultura/civilização foi construida segundo as premissas-base de controle e hierarquia, movimentos que põem profundamente em causa a possibilidade de nutrir relação afectiva responsável. Consequentemente, como nos movemos, participamos, decidimos e agimos no mundo, alimenta-se com este modo desvinculador, perpetuando estas crenças em modo fractal, do maior ao mais pequeno.

{Exílios Românticos}

Encontram-se por aí práticas de Ecopsicologia que em nada desafiam os profundos fios de dissociação que repetimos a cada momento. Como a “relação romântica com as fadas da floresta” –não tenho nada contra fadas ou florestas atenção– e mesmo outras que declamam que a sabedoria contextual indígena veio da Ecopsicologia! Perspetivas que, na minha opinião, evitam tocar onde dói. Exactamente aqui, na cicatriz inflamada do profundo corte relacional. Também por isso quero clarificar o que quero dizer quando me refiro ao romantismo, pois como todas as palavras vivas é um território paradoxal e bem variado.

Quando refiro que algo “não é romântico” refiro-me particularmente à dissociação imatura de ser especial/bonito e de evitar, a todo o custo, as incongruências, contradições ou paradoxos do nosso algoritmo cultural. Romantismo é uma palavra que deriva da literatura de “cenários poéticos ou inspiradores”, muito condicionados por conceitos ocidentais de absolutismo, essência, pureza e ideal.

Falo do romantismo enquanto fuga de uma psique já sem chão e sem forma de se relacionar, de um modo de estar inocente, mas inerentemente extractivista, a qual todos replicamos garantidamente.

Por outro lado, não podemos negar que o romantismo traz também possibilidades de relação afectiva e sentimental. No seu território existem também pontes de expressão do fascínio e deslumbramento. Então, enquanto nomeio a primeira camada de dissociação deste conceito, espero realmente poder recuperar e co-criar a segunda.

{O Interior}

O enclausuramento no desenvolvimento pessoal é também uma resposta cultural. A partir das nossas limitações cognitivas, achamos que tudo começa e termina dentro; e sem dúvida que sintonizar e abrir espaço dentro é um movimento fundamental nos processos de transformação propostos pela Ecopsicologia. No entanto, este caminho é também um resgatar das nossas múltiplas inteligências sensoriais e relacionar, então nunca é apenas dentro. Convido a trazer paciência ao processo, pois como qualquer mudança cognitiva e metabólica, demora e é cheia de dúvidas, onde é muito mais fácil cair nos algoritmos que já conhecemos…

E sim, que bom que relembramos, que, na verdade, o corpo se recorda destas relações mais vastas, que em vez de nos diluírem ou fragmentarem, nos ancoram e (re)centram.

{Os Lutos}

O labor da Ecopsicologia é também um atravessar de lutos profundos, de quem achávamos sermos, do nosso lugar no mundo e da forma como estamos e somos em conjunto. Sentir que não estamos sós é realmente essencial para podermos alquimizar as nossas dores e sombras intergeracionais.

O assumir da esmagadora sensação de impotência, e a tensão da vulnerabilidade e culpabilidade, são fundamentais de não adormecer ou dissociar (totalmente) ao serem a chave da empatia radical e de diferentes possibilidades de relação, em responsabilidade, reciprocidade e simbiose. Assim como no acompanhar outros que tragam as mesmas dores mais vastas.

Por outro lado, a faina de relação com o território não humano implica lidar e relacionar com o tóxico, poluído, descartado, ou “feio.” É complexo, exactamente porque passamos a considerar múltiplas camadas e a intersubjectividade das diversas relações.

{O Como}

Para a nossa mente colectiva cultural é de facto confrontador, desafiante e inquietante estarmos perante outras forma de ser humano, pois estamos enclausurados em expectativas solucionistas e lineares. Convido a considerarmos que o como –como se faz? Como se aplica? Como se pratica?- como um processo que se desdobra enquanto sustemos e encaixamos as novas/antigas perspectivas no nosso próprio dia a dia. E não como uma chegada perfeita a outro lugar definitivo.

Considero que as lentes de remembramento da Ecopsicologia não se aplicam apenas ao espaço terapêutico, no sentido de trocar uns modelos por outros. Mas trazem a possibilidade de nos abrimos a um chão colectivo e nutridor, e profundamente desafiante, muito mais vasto, que no limite questiona a identidade do nosso lugar na vida e consequentemente no espaço/tempo terapêutico.

{Desconstruir dói, mas há vida nas ruínas}

Estes lugares de desconstrução e desaprendizagem visceral são desafiantes e muitas vezes apetece-nos fugir. Este partir e abrir, é estranho à mente, mas não ao corpo, que responde e se activa perante o recordar. O caminho não é do da certeza/controle da mente, mas o da entrega ao corpo. Algo tão alienígena numa cultura que só valoriza o mental e negligencia o somático. Apesar da confirmação sentida pelo corpo, o caminho é longo, com muitas máscaras por tirar e trilhos circulares que só vão dar aos mesmos padrões ensurdecedores. Caminhemos com o nascer do sol!

🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência. 

Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.