O Paradoxo das Palavras

{as múltiplas camadas de ‘absoluto’ e ‘simbiose’}

As palavras como vivas, actores milenares soprados por diversos corpos e paisagens, carregam múltiplas camadas e significados. Fazendo-se representar de maneiras diferentes e carregando distintas facetas do seu vasto território de parentesco.

Exactamente porque são vivas, mudam e transformam-se, muitas vezes abrindo a significados paradoxais ou territórios ambíguos. Felizmente, nenhuma palavra é absolutamente homogénea, boa ou má, nem mesmo o vocábulo ‘absoluto’.

Por cuidar do valioso multiverso de cada palavra, e por cada vocábulo ser uma chave ou uma porta para uma ressonância diferente, que pode aprofundar ou superficializar como nos ‘entendemos mundo’, venho hoje abrir um pouco do vasto território de ‘absoluto’ e ‘simbiose’. Quem já teve aulas comigo sabe que as uso bastante, e aqui aspiro espigar dos falsos e redutores dualismos de ‘bom ou mau’.

Absoluto

Tendo a usar a palavra Absoluto como negativa, ou seja, como uma negação do entrelaçamento. Trago-a no contexto da psique moderna, plena de ideações puristas, universais e permanentes –todas expectativas dogmáticas que reduzem a complexidade entrançada do pensamento ecológico. Costumo falar de absolutismo como um verniz superficial de uma psique colectiva viciada no transcendente, que negligencia o contextual, ávida por modelos universais, globais e absolutos que resolvam tudo sem esforço ou responsabilidade. Trago o posicionamento do absoluto como uma negação da participação directa na conversa ecológica da Vida, como uma abstração linear de conceitos limpos, sem mácula, rugas ou migalhas.

Na página 3, do seu livro Vibrant Matter – A Political Ecology of Things, Jane Bennett, citando de Vries, define absoluto da seguinte forma: “aquilo que tende a afrouxar os seus laços com os contextos existentes”. A etimologia de absoluto conta o seguinte legado de parentesco: ab (fora) + solver (afrouxar). Bennett continua a dizer: “O absoluto é aquilo que se solta e é solto. (…). (…) uma coisa que não é um objeto de conhecimento, que está desligada ou radicalmente livre de representação e, portanto, que não é coisa nenhuma.” Segundo esta perspectiva, na presença do absoluto, não podemos conhecer. É do pensamento humano que o absoluto se separou; o absoluto nomeia os limites da inteligibilidade.

O absoluto contém no seu núcleo a subjectividade do mistério do que é incognoscível.

Apesar da sua sede de controlo do conhecimento linear, e de discernimento racional, o absoluto é também sagrado e profundamente ligado a territórios divinos. Apesar da sua tendência à transcendência, um devir de descontextualização para o ‘todo’, também nomeia fronteiras mais-que-humanas do que não sabemos ou conseguimos conhecer. O seu paradoxo é a superficialidade do domar os conceitos ancorada numa profundidade de mistério profundo.

Simbiose

Relativamente aos parentescos mais-que-humanos no paradigma ecológico ocidental, estes simplesmente não existem. Pois toda a complexa e vibrante rede de Vida é reduzida a recurso humano e à faminta e feroz competição, entre animais, plantas e humanos. Lynn Margulis, apesar de todas as violentas críticas de que foi alvo, salvou-nos da nossa ignorância ao trazer a ideia de que a evolução não é apenas assente na competição desenfreada, mas em relações de simbiose. Tendo a usar esta palavra, em aulas e livros, como positiva, como um conceito a redescobrir nas ruínas e fragmentos da nossa psique colectiva ocidental, como um recordar de parentescos visceral e sagrados.

Mas como qualquer território vivo, simbiose, também carrega os seus próprios paradoxos. Exactamente por não ser linear ou estática, mas um largo espectro subjectivo de interação. Abrindo a complexas e delicadas interações entre organismos, um testemunho do tecido interligado da própria vida.

O espectro das relações simbióticas, na dança intrincada de relações, revela-nos que todos vivemos em conjunto e em profunda interdependência. O que é um desafio à compreensão e imaginação da nossa psique profundamente individualista e antropocêntrica.
A simbiose, derivada das palavras gregas para ‘viver juntos’, representa o espetro das relações biológicas de interação intima. Normalmente é lida pela lente do benefício mútuo, do dano ou do impacto neutro, mas vai muito além. É uma relação complexa, dinâmica e em evolução, que desafia o entendimento das reciprocidades da vida. No seu núcleo sussurra-nos que nenhum organismo existe isoladamente, que cada forma de vida é um nó numa intrincada rede ecológica, influenciando e sendo influenciada por inúmeras outras.

O espectro das relações simbióticas vai desde o mutualismo suave, onde os participantes beneficiam, e o modesto comensalismo, até ao parasitismo litigioso, estas relações revelam as interacções multifacetadas que sustentam os ecossistemas.

Esta compreensão mais profunda da interconexão da vida, lembra-nos que temos de cuidar dos dualismos redutores da complexidade das relações. Mais que positivo ou negativo, o espectro da simbiose, ajuda-nos a fertilizar a nossa percepção considerando os laços profundos que ligam todas as formas de vida, re-encontrando um novo lugar na teia simbiótica de parentesco ecológico.

🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência. 

Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.