
Grito-Manifesto Afetivo
{por alguém que escreve com o corpo, o chão e o tempo}
Não sou produto.
O meu trabalho não é mercadoria nem conteúdo.
As palavras que costuro vêm das minhas vísceras, dos meus lutos, das minhas madrugadas sem dormir.
Não são gratuitas, não são geradas pelo acaso, nem por algoritmos impessoais.
São sementes germinadas na compostagem da exaustão, da escuta radical e do amor incondicional pela complexidade viva.
Para escrever invisto centenas de horas, recursos que não tenho, cursos que custam mais do que posso pagar.
Leio, estudo, vivo.
Experimento, anoto, falho e tento de novo.
Cada frase é um testemunho de pertença e dor.
Cada parágrafo, co-criado em reciprocidade de escuta pluriversal e viva.
E, no entanto…
Inevitavelmente sou confrontada pela expectativa de acesso irrestrito, gratuito, imediato.
Uma forma de extração.
Tão colonial quanto outras.
Tão predatória quanto qualquer mina de lítio.
A cultura da abundância digital criou a ilusão de que tudo deve estar ao alcance de um clique.
Mas o saber, quando verdadeiro, não se clica.
Exige presença, envolvimento, participação, compromisso e entrega.
Lembro que escrevo desde um contexto de baixa intensidade no Norte Global.
Com consciência das contradições que habito.
Uso ferramentas do sistema que desejo dissolver, porque ainda são as que existem.
Mas cada byte que armazena o que escrevo tem um custo ecológico.
Cada “like” que não se traduz em apoio concreto é um gesto de afeto vazio.
Com todo o respeito por cada uma das nossas lutas e resistências singulares,
Honrando as migalhas e desafios diários com que vivemos,
estou exausta do extrativismo disfarçado de carinho.
De empatia que não passa da superfície.
Do elogio que não se transforma em gesto.
O saber é coletivo, sim.
Mas o cansaço também é.
Não te peço que me salves.
Peço que te impliques.
Que reconheças que valor não é só aquilo que compras, mas o que sustentas.
Que um livro, artigo ou (des)formação que ecoa em ti, só existe porque alguém o escreveu com o próprio sangue de tempo.
Que reciprocidade não é caridade, mas o batimento cardíaco da dignidade.
…
Ao longo de 2025 escrevi 82 artigos, entre ensaios, gritos-oração, contos eco-míticos e sonhos.
Organizei e facilitei 3 (des)formações e 3 Workshops.
Lancei 5 volumes: O manual da (des)formação dos 12 movimentos de metamorfose, O Dia a Seguir da Tempestade, Rezos do Vento e do Barro, O Tempo dos Mantos Roubados e as Notas Soltas de Ecofeminismo.
Traduzi para inglês os livros: Tales of the Serpent and the Moon, Siduri e Stolen Cloaks.
Fiz 6 formações em áreas relevantes: IFS, FLOW, Ecofeminismos e Parapedagogies of Resistance.
…
🫀E ainda assim…
Mesmo no meio do cansaço, há quem ouça.
Há quem pergunte com o corpo, não só com palavras.
Há quem compreenda que este trabalho não é conteúdo,
mas cuidado.
A cada pessoa que se permitiu sentir,
que partilhou, que apoiou, que não pediu desconto à minha dignidade
a ti, o meu mais fundo e radical agradecimento.
Tu que não esperas tudo de graça,
tu que sabes que saber tem peso, tem raiz, tem tempo,
tu manténs viva a reciprocidade como forma de amor.
És quem me lembra que nem tudo está perdido.
Que há espaço para outro modo de estar, onde o valor não se mede em cliques,
mas em presença, em envolvimento, em sustento real.
Obrigada por fazeres parte da rede que não extrai ou consome,
mas nutre e cultiva.
Tu és o eco vivo do que ainda é possível.
Da luta em dignidade do saber das margens e das contra narrativas sem chão.
Que amor te trouxe aqui?
Não sou marca ou produto
Então o que fazes?











