Espectro, os observadores de arco-íris
Lembras-te da primeira vez que olhaste para um arco-íris? Onde todas as cores brilhantes singulares se fundem? Lembras-te do espanto de olhar para o céu onde os vários tons se fundiam, todos diferentes e únicos? Todos em colectividade, iridiscentes e misturados, cada um transformando-se no outro.
Após vermos o primeiro arco-íris, podemos desejar ver outro novamente, para nos sintonizarmos com as suas condições emergentes – dias nublados e chuvosos com rajadas repentinas de luz solar que invadem as nuvens cinzentas e densas. Os nossos curiosos olhos da infância olham por todo o céu, pois era magia encontrar um arco-íris. Ou mesmo dois! Dupla magia!
A palavra arco-íris, em galego, diz-se como arco-da-velha, e em português, esta expressão “arco-da-velha” relaciona-se com eventos estranhos ou acontecimentos peculiares, algo de extraterrestre.
O arco-íris pode ser visto como uma passagem antiga para outras dimensões onde tudo pode acontecer, uma fenda na realidade. Um reino mágico, um tempo e um lugar misterioso e encantador, guardado pela sabedoria antiga da velha mulher.
Ao crescer, somos educados para realizar a incrível magia da separação. Para compreender e aprender, é-nos dito para embarcarmos numa viagem cultural apenas de ida, dividindo e cortando o mundo em pedaços. Assim, atomizamos, separamos e, consequentemente, estreitamos o nosso entendimento das coisas. De repente, perdemos a nossa capacidade de ver as cores do arco-íris a fundir-se, e em vez disso contamos e nomeamos: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil, e violeta. Quantas cores estão num arco-íris torna-se a questão crítica. Perdemos de vista o limiar, concentrando-nos apenas nas tonalidades puras.
Afastando o nosso olhar da mudança espectral entre as cores, ignoramos a rica amplitude e o alcance da própria vida.
Admirando apenas os limites e fronteiras de cada cor individual e tomando-a como verdade completa, evitamos o alcance de cada possível transformação, diálogo e troca.
Ao cortarmos as transmutações limiares entre cores, categorias, relações, eventos, ou lugares, restringimos e colapsamos a nossa percepção da existência. Ao reduzir a complexidade da riqueza ao contraste binário, como bom ou mau, certo ou errado, homem ou mulher, as múltiplas mutações e mudanças que acontecem a toda a volta, tornam-se veladas. O espectro torna-se fixo, endurecido e solidificado. Já não é um espectro.
Da próxima vez que vires um arco-íris, honra o limiar, deixa-te receber pela velha guardiã permitindo a sabedoria da transição e impermanência, as peculiaridades fundindo-se entre duas (ou mais) polaridades. Deixa-te enredar na sua rica diversidade.
Atreves-te a passar o portal?
🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência.
Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.