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Ecopsicologia Relacional

Uma Ética de Implicação Ecológica

 

Definição de Ecopsicologia

Genericamente a definição de ecopsicologia ainda carrega o cheiro normativo do paradigma dominante. Ao ser moldada pela lente da saúde mental como “redução de stress” ou “promoção de bem-estar”, a ecopsicologia arrisca ser cooptada para reforçar a lógica terapêutica de “funcionalidade”. A que procura reparar o indivíduo para o reintegrar num sistema insustentável, em vez de escutar o que esse sofrimento revela sobre a própria ecologia das nossas relações, modos de vida e epistemologias.

Mesmo quando se traz que ecopsicologia é “informada pela teoria de sistemas” e “conecta princípios ecológicos com a psicologia”, a costura ainda é feita de fora para dentro, como se o ecológico pudesse ser um suplemento adicionado à psicologia e não uma dissolução radical do seu centro. Há pouca erosão do individualismo moderno, pouca escuta das ontologias plurais, e uma ausência quase total do paradoxo, da confusão e da contradição relacional que nos constitui.

Na abordagem da Ecopsicologia Relacional, o cuidado não é auto-cuidado. Não é “sentir-se bem” no meio da floresta para depois regressar à mesma matriz de separação. Não é wellness verde. É presença desarmada no emaranhado das dores do mundo, é maturidade afetiva para escutar os lutos coletivos, é saber que não há fora da relação. E que curar não é consertar, mas compostar, o que não se faz com mensagens “empoderadoras” e “positivas”, mas com escuta crua das fraturas, individuais, sociais, coloniais, ecológicas, que o paradigma da saúde normativa nos ensinou a evitar.

A linguagem normativa ainda ecoa o ideal de uma psicologia que mede, orienta, planeia e gere. Mas a Ecopsicologia Relacional, como praticada fora dos centros brancos do Norte Global, implica rendição ontológica. Implica reconhecer que a psique não é uma entidade interna, mas uma ecologia pulsante que envolve rios, fungos, espíritos, traumas históricos, avós não enterradas e águas envenenadas. Não é sobre o “eu e a natureza”, mas a reconvocação das relações, mesmo quando nos doem.

Uma ecopsicologia que procura soluções, gestão emocional e adaptação positiva ao colapso fala a partir do coração normopático do sistema. A Ecopsicologia Relacional não se propõe a consolar, mas maturar, transmutar, permitir o insuportável, não por meio de leveza, mas pela profundidade. E é por isso que precisamos de contos, ciclos, contradições e de um novo vocabulário para cuidar do mundo, um vocabulário que não tenta salvar, mas que nos sustém exactamente aqui onde nos encontramos.

O Cuidar

Num mundo onde o cuidado ainda é frequentemente tratado como moral, fardo ou virtude individual, a Ecopsicologia convida-nos a outro horizonte, o do cuidado como implicação ecológica. Não como dever, mas como respiração conjunta com tudo o que vive, e tudo o que morre. Estas palavras são um convite a atravessar o estreito da psicologia normativa ocidental e a abrir espaço para uma teia viva, relacional e emaranhada.

Do Dever ao Enredamento Vivo

Na tradição moderna, o cuidado é muitas vezes entendido como uma ação moral, individual, movida por culpa, sacrifício, superioridade, idealismo ou expectativa. Mas quando olhamos pela lente da Ecopsicologia Relacional, percebemos que o cuidado é anterior ao dever. Não nasce da vontade individual, mas da consciência de que já estamos comprometidos e emaranhados, a nossa pele sempre tocou a pele da Terra. Nesta teia viva, cuidar não é escolha, é resposta. Não é sacrifício, é relação. Aqui, o cuidado não é uma escolha racional ou virtude pessoal, mas uma resposta sensível às interdependências que já nos constituem. Não cuidamos porque somos “bons”, cuidamos porque somos parte. Porque a ferida da Terra é também uma dor nos nossos nervos.

O cuidado emerge como um gesto de reconhecimento, o que afeta a água, afeta o meu corpo; o que adoece a floresta, murmura nos meus sonhos.

Da Intervenção ao Escutar no Corpo

A psicologia normativa tende a abordar o sofrimento como falha a ser corrigida ou eliminada. Obsessivamente gerando fórmulas, modelos e hierarquias de saber. Há o impulso surdo e constante para intervir, curar, emendar. A Ecopsicologia Relacional propõe outra forma de presença, escutar sem urgência de resolver. A ética da implicação ecológica escuta o sofrimento como expressão relacional, eco de dinâmicas vivas e sistémicas. O sofrimento, aqui, é sinal de uma desregulação relacional e sistémica, não um problema a ser eliminado ou higienizado, mas uma expressão a ser sentida. Estar com o que dói, escutar os lutos da terra, os silêncios dos rios, as quebras de sentido, é prática ecoterapêutica. A cura não como correção, mas como digestão lenta.

Não se trata de “resolver o problema”, mas de compostar as condições que nos trouxeram até aqui.

Da Autonomia ao Parentesco Responsivo

A psicologia moderna elevou a autonomia individual a um ideal. O “eu” é visto como centro, sujeito separado, auto-centrado, dono de si e autor da sua narrativa. Mas a Ecopsicologia Relacional desloca esta centralidade, pois somos compostos por vínculos, o eu é tecido. Um lugar não separado, mas de passagem de histórias, ecossistemas, afetos e ancestralidades. A responsabilidade, então, não vem da obrigação, nem da decisão racional sobre “fazer o certo”, mas da escuta dos vínculos que nos chamam e compõem. Do musgo que cresce nas pedras da infância, da água que chega pelos canos, mas vem de um rio ferido. Do silêncio de um animal extinto.

Da Purificação à Compostagem Ética

Na ética moralizante e moral normativa, procura-se a pureza, desde o pensamento certo ao sentimento justo, até ao comportamento adequado, passando pela obsessão urgente de separar o certo do errado, o saudável do doente, o humano do não-humano. Mas ética da implicação ecológica reconhece que estamos todos emaranhados em resíduos, contradições, derrames e ambivalências. A Ecopsicologia Relacional convida-nos a habitar o limiar em maturidade responsável. A estar com a confusão, os paradoxos, e a lama dos processos vivos. Pois não existe “fora” da relação, nem neutralidade. A saúde não é limpeza ou separação, mas a capacidade de metabolizar o que é difícil, contraditório e tóxico até, sem nos expulsarmos ou exilarmos das relações. Esta é a compostagem ética, a metamorfose lenta, íntima e profundamente viva.

Pois cuidar é um processo de desarmar as pretensões de superioridade, de descentralizar o humano, de acolher a lama e a luz como partes do mesmo ciclo.

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{Ecopsicologia}

🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência. 

Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.