O Dia a Seguir da Tempestade

Ecologia da Loucura e do Luto, Corpo Contaminado, Mitologia e o Feminino do Fim dos Mundos

Prefácio de Telma Laurentino

Edições Corpo-Lugar

Se procuras respostas fáceis, este livro não é para ti.

Se vens em busca de certezas, prepara-te para o abalo.

Um livro para quem se atreve a escutar o que apodrece, sem pressa de florescer.

O livro O Dia a Seguir da Tempestade pode ser encomendado exclusivamente através desta plataforma. Embora o preço apareça em dólares, o valor é automaticamente convertido para a moeda do país de encomenda. O pagamento é feito por cartão de crédito, sem custos adicionais de desalfandegamento, e o envio é possível para qualquer parte do mundo.

TEMPO DE LEITURA – 2 MINUTOS

Debaixo da Barriga Suave de Inanna-Ereshkigal

{Tecido a partir de dois textos: um mito milenar do submundo e um poema cartográfico}

Debaixo da barriga suave das infra_estruturas, sob os cabos de fibra óptica, as avenidas em linha recta e os edifícios de cimento sempre rigidamente acordados, há uma outra cidade, feita de grutas, fendas e lágrimas fósseis. Lá em baixo, a Deusa Inanna-Ereshkigal escuta o chamamento, um som abafado que vem de dentro e debaixo: o som das dores que não foram choradas, das mortes que não foram metabolizadas, dos ciclos interrompidos em nome do desempenho da superfície.

Ela caminha. Desce. Treme. Cai.
Toca a pedra húmida como quem toca a pele antiga do mundo.
Desorientada, mergulha num labirinto de pedra e vento, onde as estruturas lineares se desmancham e onde o tempo não obedece aos relógios da produtividade.
Ali, cada parede rachada é também uma convocação.
Cada obstáculo uma oferenda.

Inanna deixa para trás os seus símbolos de poder e de identidade cristalizada, a que achava seguir um caminho direito e liso, o anel, o manto, a vara de medição. Também deixamos, um a um, os marcos que nos fazem parecer funcionais neste mundo colonizado pela lógica do sucesso e do progresso.

No fundo do submundo, ela não encontra glória, mas a sua irmã/dupla, Ereshkigal, a deusa negra que grita, grávida do que ainda não nasceu. Ereshkigal, a Mãe A Parir o que não pode ser apressado. Ali, sob a crosta das narrativas lineares e ilusoriamente universais, a morte e a vida encontram-se, e a dor é escutada, não para ser calada ou arranjada, mas para ser sentida até se transformar.

As carpideiras ritualísticas, metade sombra, metade oferenda, derramam rios de lamento e grãos de silêncio sobre o corpo-semente da deusa suspensa. É nesse gesto, compassivo, lento, sem glória, que a nova vida começa.

O renascimento não acontece com esplendor e comemoração, mas com sangue, útero, barro, e um choro que ainda não sabe se é de dor ou de revelação.

Os protocolos do submundo são sabedorias subterrâneas que não se revelam aos apressados, nem se dobram ao brilho da superfície. Os seus critérios são outros: perder para aceder, tremer para recordar, cair para escutar. O mito sussurra o convite, debaixo das infraestruturas modernas: descer, antes de ascender; decompor, antes de produzir: ser atravessada por histórias que nos reclamam, e não apenas aquelas que conseguimos narrar.

Porque a fertilidade, das ideias, das práticas, das relações, vem do escuro.
Do que não sabemos nomear.
Do que treme debaixo das fundações.
Do que uiva entre um gemido de morte e um suspiro de vida.

Referências

Outros Artigos de Eco-Mitologia

🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência. 

Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.