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Dar colo aos Problemas Perversos
{ou a habilidade de resposta de ficar com o problema}
No suave corpo mamífero que somos trazemos a suave e humilde curiosidade, assim como a abertura às possibilidades, faculdades e memórias exiladas. As nossas tendências e limitações extractivistas e mineradoras, intensamente procuram extrair os significados últimos das coisas, e não nos damos conta do quão profundamente violento é este extractivismo cognitivo que nos limita a relação, parentesco e simbiose com um mundo vivo e complexo. Esta é realmente uma lente muito presente e invasiva, pois esta forma de estar, procurar, extrair, minerar, significar, ocupa demasiado espaço em nós, gerando imensas dificuldades em ficar com o problema. O ficar com o problema fica facilmente rotulado de inação, incapacidade e mesmo depressão ou falta de produtividade. Acrescido ao violento isolamento do indivíduo, acabamos por levar tudo às costas e mesmo iludir-nos que sozinhos salvamos o mundo. O que apenas demonstra a imensa imaturidade da cultura onde nos encontramos. A maturação responsável de ficar com o problema é fundamental para colectivamente lidarmos com os Problemas Perversos que nos assolam.
Que o corpo suave e mamífero se possa abrir à potência, sem pressa, apenas aqui.
O que são Problemas Perversos?
Um Problema Perverso é um problema difícil ou impossível de resolver devido a requisitos incompletos, contraditórios e variáveis que são frequentemente difíceis de reconhecer. Refere-se a uma ideia ou problema que não pode ser resolvido, em que não existe uma solução única para o problema; e “perverso” denota resistência à resolução. Além disso, devido a interdependências complexas, o esforço para resolver um aspeto de um problema perverso pode revelar ou criar outros problemas. Devido à sua complexidade, os Problemas Perversos são frequentemente caracterizados por uma irresponsabilidade organizada. {daqui}
Em 1973 Rittel e Webber, formulam algumas particularidades dos Problemas Perversos. Mais tarde Conklin generalizou o conceito. A lista seguinte é uma mistura de ambos:
- Não existe uma formulação definitiva de um problema perverso.
- As soluções para os problemas complexos não são verdadeiras ou falsas.
- Não existe um teste imediato nem um teste final de uma solução para um problema perverso.
- Cada solução para um problema perverso é uma “operação de uma só vez”; como não há oportunidade de aprender por tentativa e erro, cada tentativa conta significativamente.
- Cada problema perverso é essencialmente único.
- Cada problema perverso pode ser considerado um sintoma de outro problema.
- O problema só é compreendido após a formulação de uma solução.
- Os problemas perversos não têm soluções alternativas.
- A solução depende da forma como o problema é enquadrado e vice-versa (ou seja, a definição do problema depende da solução)
- As partes interessadas têm visões do mundo radicalmente diferentes e quadros diferentes para compreender o problema.
- As restrições a que o problema está sujeito e os recursos necessários para o resolver mudam ao longo do tempo.
- O problema nunca é resolvido definitivamente.
Problemas Super-Perversos
Kelly Levin, Benjamin Cashore, Graeme Auld e Steven Bernstein introduziram a distinção entre Problemas Perversos e Problemas Super-Perversos numa conferência em 2007, a que se seguiu um artigo de 2012 na revista Policy Sciences. No seu debate sobre as alterações climáticas globais, definem os Problemas Super-Perversos como tendo as seguintes características adicionais:
- Existe um prazo significativo para encontrar a solução
- Não existe uma autoridade central dedicada a encontrar uma solução
- Os que procuram resolver o problema estão também a causá-lo
- Certas políticas impedem irracionalmente o progresso futuro
Enquanto o que define um Problema Perverso estão relacionados com o problema em si, o que define um Problema Super-Perverso relaciona-se com o agente que o tenta resolver. O aquecimento global é um Problema Super-Perverso, e a necessidade de intervir para defender os nossos interesses a longo prazo também foi referida por outros, incluindo Richard Lazarus.
O corpo suave sabe responder à complexidade
De facto o luto, como um caminho de maturação e difração da profunda iliteracia da complexidade, paradoxo, mistério e impermanência, o luto como acto de amor abranda a procura ansiosa por soluções perfeitas e finais. Podemos rasgar a espessa casca de ilusões.
Este não é o zeitgeist, ou seja, o espírito da época corrente, porque traz outras opções e possibilidades de ser e relacionar. Opções que estão mesmo aqui, mas que nos são impossíveis (ou muito difíceis) de imaginar, percepcionar e muito mais difíceis ainda de assumir ou recordar –pois vão contra o grão de tudo o que nos é ensinado. Demora! Mas o facto de assumir a demora é maravilhoso, porque quer dizer que caminhamos com … sem exactamente saber onde vamos parar.
O corpo potente e suave sente o desafio dos Problemas Perversos a todo o momento e, na sua regulação eco-colectiva move-se entre o dilema e o acolhimento. É uma viagem tanto individual como colectiva, de afecto, reconhecimento, acolhimento e sustentação. Desafiante, pois somos ensinados a estar apenas em pólos opostos: ignorar ou resolver. Recuperar a habilidade de ficar com o problema é uma das formas de fomentar a literacia da complexidade, para podermos estar com problemas maiores e diversos.
A capacidade de resposta, response-ability, é conseguir responder permitindo a capacidade de resposta –agir, viver, aprender, investigar e comunicar de forma diferente. Um pouco libertos dos grilhões das premissas modernas da certeza, controle, absolutismo e universalismo. A capacidade de resposta consiste também em convidar e permitir uma resposta em sintonia com a especificidade da situação e, ao fazê-lo, tornar as partes envolvidas capazes. Implica prestar muita atenção às relações vivas e emaranhadas com outros humanos e não-humanos, em múltiplas temporalidades e espaços. Implica o reconhecimento de que herdamos e somos várias presenças físicas e etéreas, sombras e matérias –que continuam a atuar no presente e no futuro. A capacidade de resposta não é apenas uma caraterística dos seres humanos, mas envolve outras espécies e plantas, que surgem por relações intra-activas e intra-subjectivas. A capacidade de resposta começa com o fluxo, ritmo e relação em vez de partir de sujeitos e objectos pré-formados, contra as cristalizações normativas a que nos habituamos. A capacidade de resposta é movimento.
É uma presença profundamente afectiva que não exige ou projecta o lugar fixo da cura, mas está-com.
Para recuperar esta sabedoria inata do corpo suave precisamos de abrandar, divagar e deambular, para maturarmos e nos entregarmos à vida. Caminhamos.
–
– habilidade de resposta e ficar com o problema são formulações desenvolvidas por Donna J. Haraway. Professora americana emérita dos departamentos de história da consciência e de estudos feministas da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, e uma académica proeminente no domínio dos estudos sobre ciência e tecnologia.
🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência.
Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.