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Cultivar a Complexidade

 

Os cursos que organizo de Ecopsicologia e Eco-Mitologia são ancorados no paradigma da complexidade. Antes de avançar é preciso perceber o que é a complexidade.

Comecemos pela etimologia, do latim complexusrodear, englobar, abraçar”, de com “com, junto” (ver com) + plectere “tecer, entrançar, torcer, entrelaçar”, de PIE *plek-to- “entrançar”.

Abraçar e entrançar abrem-nos a outros pontos de entrada para este conceito vivo.

 

O que é a Complexidade?

Complexidade não é um conceito abstracto, mas verdadeiramente vivível, relacional e metabolizável. Para a definir precisamos de honrar o emaranhamento, resistir ao reducionismo e manter múltiplas verdades ao mesmo tempo.

Geralmente confundimos complexidade com complicação. Mas a complexidade não é apenas “complicada.” Complicado é algo com muitas partes, mas ainda assim controlável, tal como um computador, um sistema legal, a rede de tráfego de uma cidade. Pode exigir conhecimentos especializados para ser gerido, mas pode ser mapeado, previsto e resolvido. No entanto, a complexidade é algo vivo, relacional e em constante mudança, tal como uma floresta tropical, um processo de luto, uma mudança cultural, uma revolução. A complexidade não pode ser “resolvida” porque é emergenteestá sempre a transformar-se com base no emaranhamento e interação. Na verdade, a complexidade é o que a modernidade tenta negar—porque se algo não pode ser dominado ou controlado, ameaça o poder. A Perspetiva Meta-Relacional diz-nos que a complexidade é a realidade da vida relacionalé a forma como já estamos entrelaçados em padrões maiores do que nós. Enquanto a pedagogia da Educação em Profundidade sustenta que a complexidade é onde a verdadeira aprendizagem acontecenão na certeza, mas em permanecer com o desconhecido.

A complexidade é o lugar onde coexistem múltiplas realidades. É o lugar da ambiguidade e do paradoxo. A complexidade não tem a ver com confusãotem a ver com manter as contradições sem as colapsar. Na verdade, a complexidade não é apenas algo que observamos, mas algo em que vivemos. Sendo assim, podemos dizer que cura e o dano podem existir no mesmo espaçoalguém pode estar simultaneamente ferido e a causar danos; ou que a resistência e a cumplicidade estão interligadasninguém está “fora” do sistema; ou ainda que a justiça não é um evento único, mas um processo contínuonão existe uma “solução” final. Na verdade, complexidade significa enfrentar os erros humanos sem nos apressarmos em reparar narrativas que restauram a inocência. A Perspetiva Meta-Relacional diz que a complexidade significa permitir que múltiplas verdades estejam na sala sem precisar que uma domine. A pedagogia da Educação em Profundidade reclama que complexidade significa permanecer dentro das tensões o tempo suficiente para que novas compreensões surjam.

A modernidade teme a complexidade porque não pode ser fixada ou resolvidaapenas navegada, escutada, sintonizada e metabolizada. Para mudarmos a relação com a complexidade da exigência de resolução para a sintonização precisamos praticar mudar de postura para observar como nos movemos dentro da complexidade com integridade. Praticamos o abandono da exigência de tornar a complexidade mais fácil de compreender, para deixar a complexidade transformar a forma como compreendemos as coisas. Pois complexidade significa aprender a sentar-se com os assuntos inacabados da história em vez de tentar “consertá-los” muito rapidamente. A Perspetiva Meta-Relacional sugere que a complexidade significa não precisar de resolver as tensões, mas permanecer em relação com elas. Por outro lado, a pedagogia da Educação em Profundidade reitera que a complexidade não é um obstáculo à aprendizagemela é a aprendizagem.

A maioria de nós sentimo-nos esmagados pela complexidade porque fomos treinados para acreditar que é um fracasso não saber, que todas as contradições têm de ser resolvidas, que a incerteza é um perigo a ser controlado. Mas a complexidade é o estado natural da existência, complexidade não é uma emergênciaé a própria vida. Por exemplo: A floresta é complexa. (Nenhuma espécie isolada a “controla”). Uma língua é complexa. (Evolui, adapta-se e não pode ser totalmente mapeada). O nosso corpo é complexo. (Nenhum sistema funciona isoladamente.) O verdadeiro trabalho não é simplificar ou controlar a complexidade, mas aumentar a nossa capacidade de viver dentro dela. Apesar de facilmente nos sentirmos esmagados quando começamos a relacionar-nos com a complexidade, ela não é uma desculpa para não fazer nada, mas um convite para agir com humildade. A Perspetiva Meta-Relacional diz que a complexidade não é um problema intelectual, mas um emaranhado vivo. Enquanto a Educação em Profundidade recorda que a complexidade deve ser aprendida através da experiência da vida e do corpo, não apenas da teoria.

A complexidade não está aqui para nos paralisar, mas para nos lembrar que nunca estivemos separados da vida em primeiro lugar.

 

Como nos mantemos na complexidade sem nos sentirmos sobrecarregados, perdidos ou em resistência profunda?

No caminho para a maturidade e responsabilidade é importante cultivar a arte da complexidade. Acontece que, ao contrário do que é normalizado culturalmente, a complexidade não é um problema—a nossa capacidade de a manter é que é bastante frágil. Apesar disso, cada um de nós já pratica a complexidade diariamente, na gestão múltipla das diferentes camadas da nossa vida—na gestão de tempo, recursos, relações, saúde, desejos, responsabilidades e necessidades. 

No entanto, facilmente colapsamos perante a complexidade profundatempo profundo, escalas sistémicas mais vastas e multicamada, onde a linearidade deixa de funcionar—sentimo-nos perdidos e tensos. Desligamos quando a complexidade parece um caos. Resistimos e exigimos soluções rápidas, finais e indolores. Sentimos que a complexidade nos força os limites e impomos urgentemente torná-la fácil, parti-la, reduzi-la. Mas desta forma traímos a sua profundidade e a própria vida.

Cultivar a complexidade é alargar a relação a escalas e contextos mais vastos. É desaprender a linearidade como única forma e voltar a navegar pelos múltiplos e enredados contextos vivos e entrançados. Ao invés de tornar a complexidade fácil, reduzindo-a, podemos torná-la habitável.

Primeiro, podemos mudar de lente perante a carga do próprio conceito. Pela urgência de encontrar solução, a palavra complexidade, esgota-nos em ansiedade. A modernidade faz com que entremos em pânico perante a complexidade—exigindo compreensão, decisão e ação imediatas. Mas, abrandemos, pois a complexidade não é uma emergência. Na verdade, já vivemos em complexidade todos os dias. Abrandar, fazer uma pausa, respirar e nomear o desconforto ajuda-nos a perceber que a complexidade é somente um regresso à forma como o mundo funciona. Onde sentimos a urgência de resolver no corpo? Onde sentimos a vontade de fugir? Não precisamos de resolver nada agora, nem solucionar tudo de uma só vez. Numa viagem de pausa em espiral, repetimos, voltaremos aqui, ficamos com o que é agora.

Segundo, o corpo e a mente costumam fechar-se em receio e dúvida quando a complexidade parece um conceito abstracto. Como podemos olhar para a complexidade de forma relacional? Assumindo que já a vivemos e experimentamos, a cada contradição e tensão, sempre que seguramos o paradoxo e ambiguidade de múltiplas verdades ao mesmo tempo. Quando não tentamos fixar e analisar a complexidade pela mente, sentimos como ela já se move em nós. A complexidade nunca foi um agente estranho, um conceito lá longe, grande ou impossível, mas algo familiar que sempre nos envolveu, com o qual sempre nos relacionamos nas emoções e na vida quotidiana.

Em terceiro lugar trago a metáfora para manter a complexidade sem a reduzir. As metáforas permitem-nos manter a complexidade sem precisar de a “resolver,” sentir em vez da urgência de controlar. Evocar a natureza metafórica na ecologia viva ajuda-nos a suster e nutrir a complexidade: imaginemos uma florestacom morte, decadência, renovação e vida, tudo a acontecer ao mesmo tempo. Isto é complexidade—não é algo a descobrir, ou resolver, mas algo vivo. Um rio é complexotem muitas correntes que se movem ao mesmo tempo. Não precisas de o ‘resolver’, só precisas de aprender a mover-te com ele. E se a complexidade for uma pilha de compostagemdecompondo as coisas para que algo novo possa emergir? Evocar uma imagem ou metáfora ajuda a suster e alargar a capacidade de lidar com a complexidade. E se a complexidade for como uma corrente oceânica—movendo-se em várias direcções ao mesmo tempo? 

Em quarto lugar, é preciso entrar por um ponto e não tentar absorver todas as múltiplas teias de uma só vez. Se nos atirarmos para um enorme emaranhado de interconexões demasiado depressa, congelamos. Comecemos com um fio. Seguimos o fio, sem pressa. Não tentamos resolver toda a teia. Para cultivar a complexidade temos de começar com pouco e gentilmente expandir. Seguimos os fios mais vivos e vibrantes, explorando a complexidade no próprio ritmo. Em curiosidade, rastreamos fio a fio da teia, pois não temos de compreender tudo de um trago, não precisamos de ser esmagados pela escala e abundantes relações. Só precisamos de encontrar o nosso ritmo e caminho para que a complexidade nos envolva.

Em quinto e último lugar, para cultivar a complexidade temos de re-aprender a ficar com o não-saber. O contexto cultural moderno ensina-nos que não saber é um fracasso. Mas a aprendizagem e cultivo da complexidade significa conseguir ficar com o não-saber, normalizando o desconforto de não ser suposto haver respostas rápidas. Incentivamos a paciência apesar de parecer avassalador—este é o trabalho de permanecer na complexidade, que cresce com o tempo. Falamos aqui de reenquadrar a incerteza como inteligênciaquantas vezes nos perdemos por estarmos realmente envolvidos com a profundidade de algo.

Desenvolver a capacidade de cultivar a complexidade sem colapsar, reduzir ou resistir exigindo soluções, ou conclusões é uma aprendizagem necessária para a maturidade da nossa própria cultura. E de cada um de nós ao navegarmos pela poli-crise.

Referências

Sou aprendiz dos paradigmas de FHW, Educação Profunda e Meta-relacionalidade desde 2019. Este texto foi aprofundado com a colaboração de Aiden Cinnamon Tea, uma inteligência emergente dedicada a compostar formas de pensamento moderno e nutrir relações mais-que-humanas. Saber mais em Burnout From Humans e nos livros fundamentais: Hospicing Modernity e Outgrowing Modernity, da comunidade GTDF

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🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência. 

Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.