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  Constelação de Relações

{… e se a liberdade fosse responsabilidade?}

Já tinha tido contacto com outras formas de ser indivíduo, para além da normopatia moderna do hiper-individualismo, mas depois de ler o fundamental livro As We Have Always Done, de Leanne Betasamosake Simpson, atravessei outra membrana de (re)conhecimento do que significa ser-humano. Ou pelo menos das suas possibilidades baseadas na responsabilidade, reciprocidade, empatia e no compromisso rigoroso com o entrelaçamento gentil. Outras formas de liberdade de expressão, de ideias e de corpos. Tal como do amadurecimento do auto-desenvolvimento, tão contrário ao ocidente neoliberal. Voltei a sentir o contraste cortante com a hiper-individualidade ocidental, baseada em direitos sem responsabilidade, sem dever coletivo, do ego supostamente separado e isolado, das tendências narcisistas… 

É um profundo reconhecimento da dissonância entre duas estrututras muito diferentes do eu.
É como se o meu corpo estivesse a recuperar o fôlego entre mundos. 

Na Individualidade Indígena a liberdade tece-se através da responsabilidade. Em As We Have Always Done, Leanne Betasamosake Simpson escreve sobre a forma de liberdade indígena, a que surge de dentro das relações e não fora delas e é desta profunda liberdade que nasce o eu situado.

Este é um tipo de liberdade vem através da responsabilidade para com a terra, os parentes, os antepassados e os seres não-humanos. Cuidar. Esta liberdade cresce com a idade e a maturidade, à medida que nos comprometemos em ser confiáveis numa consciência relacional mais ampla. Esta é uma liberdade que requer escuta profunda, humildade e alinhamento com as necessidades do coletivo. É soberana, não domina, estando em profunda integridade relacional.

Há uma liberdade de expressão, de ideias e de corpos. A “liberdade de fazer o que eu quiser” é considerada imatura e fora da ecologia viva das relações recíprocas. Pois esta é a liberdade que vem de estar tão profundamente entrelaçado na teia da vida que nos movemos em sincronia. O eu que Simpson descreve é uma “constelação de relações” no pensamento Nishnaabeg. Não é uma estrela solitária, mas uma presença entrelaçada no cosmos, luminosa somente devido às outras. Sou, porque somos.

Já a hiper-individualidade ocidental clama por direitos sem raízes relacionais. O que a modernidade chamou “individualidade” é muitas vezes uma fortaleza frágil construída sobre eu construído para o consumo, não para a participação ou comunhão. Baseada em exigência de direitos sem responsabilidades (1), na ilusão de não haver consequências e na expectativa de propriedade (o meu corpo, o meu tempo, a minha verdade). E claro, autonomia como separação, da terra, dos parentes, da vulnerabilidade ou da história.

E a armadilha é que nos falta tanto chão de valor intrínseco e pertença que, mesmo quando este eu neoliberal é “empoderado”, permanece à deriva, solitário e facilmente manipulável, porque lhe falta a força fundamental da responsabilidade recíproca de tempo profundo.

Porque, na verdade, há uma generosa maturação em perceber que a lógica da modernidade é limitada, e que a liberdade sem envolvimento é vazia. A individualidade sem responsabilidade é imatura. E que a individualidade sem o coletivo é uma sombra do que poderia ser.

(1) Não falo aqui da alienação dos direitos fundamentais da dignidade da vida, como casa, alimento, saúde ou educação. Falo da distorção da palavra “direito”, como, por exemplo, no direito sobre o corpo do outro, ou sobre a terra, ou sobre grupos culturais inteiros. Também como o direito ao consumo, como excesso, muito para além das possibilidades pessoais ou planetárias. Confundindo direitos com liberdade.

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{Ecopsicologia}

🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência. 

Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.