A nossa dor é sagrada e não aceita ser silenciada
Estava tão alterada que demorou algum tempo reconhecer-me
Venho aqui comungar com a vulnerabilidade dessacralizada
Trago ruído denso dentro
Está tudo bem, diz-me
Apenas deixa-te chegar, devagar acolhe-te aqui
~
Há outras vidas aqui a acontecer
Há uma serenidade na sua raiva
Uma calma no seu ardor
Uma paciência na sua presença
Vontades no seu fluxo
Brincadeiras no seu luto
Ecos sãos nas suas feridas
Ser-de-vida que é, apenas porque somos
~
O seu leito tanto percorre como rasga
Penetrando no chão, tanto afunda, como suavemente serena
O seu corpo, tão rochoso como aquoso,
sabe que quem aqui bebe, também aqui defeca
quem aqui nasce, também aqui morre
quem aqui caça, também aqui é caçado
~
Na sua paciente sapiência recorda-me que
nos múltiplos ciclos entre a calma e suavidade de uma corrente nutridora
há os momentos de raiva seca, que causam fricção e mágoa
para logo voltar à maciez lânguida da água doce,
a que lava as feridas profundas de luto e amor,
a que acaricia os rasgões e puxões,
a que, mesmo contaminada, limpa as fissuras, as frestas e as possibilidades.
~
Por isso aqui retorno para prestar homenagem à sua teimosa vulnerabilidade, a que toca nutrindo as margens.
Presto tributo à sua profunda sabedoria da paciência, que acolhe a vida e a morte.
Peço-lhe perdão por não saber passar a sua mensagem.
Trago compromisso perante tudo o que me mostra, desde turbulência das correntes às brincadeiras nas suas beiras.
Agradeço a sua capacidade de se relacionar simplesmente porque é.
🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência.
Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.