Verbo-paisagem

Numa visão original e incorporada, toda a paisagem é um verbo, criação, e acção sagrada. Não há separações, não há objectos. Todos os lugares são um fluxo de imanência sagrada.

Um rio não é uma definição elementar, mas um verbo com a sua modulação, ritmo, sons e salpicos. Uma montanha não é um objecto, mas uma ocorrência, uma emergência da terra a tentar tocar o céu. Uma nuvem não é apenas vapor de água, mas um devir, dispersando os sussurros do vento. Tudo é acção senciente e sabedoria consciente, em relação polivocal.

Será o antigo conhecimento humano que traz significado à paisagem ou esse significado tem estado lá sempre presente? Serão as mitologias resquícios guardados no tempo das múltiplas vozes e verbos de cada local?

Porque ser uma Montanha, toda a sua acção primordial, não está limitada ou confinada a um método ou perspectiva particular, humana ou para além de humana.

A própria Montanha (rio, árvore ou rocha) é, de facto, a origem do fio de sabedoria que ajudou a tecer essas metafísicas específicas há mais de mil anos, em diversos lugares da terra. Cada um com a sua especificidade e singularidade. Assim, cada mitologia é apenas uma das traduções humanas da imanência da natureza, pois, vive, experimenta e interpreta o que já lá está. A maturação desta ambiguidade enriqueceu-me, pois deu-me novas linguagens para contemplar e compreender a realidade.

Tudo se resume à natureza, e ao seu sagrado devir da Vida e do ser.

Inevitavelmente, sentindo este chão fervilhante, alinhei-me com a rica e antiga sabedoria original dos Primeiros Povos em todo o mundo – povos originais, nativos, indígenas e aborígenes -, em toda a sua diversidade, valor intrínseco, histórias e símbolos.

Mas principalmente, com o seu conhecimento da pertença radical co-criado, que entrelaça a sua acção diária com o lugar.

Honro e agradeço a todas as culturas vivas que ainda hoje encarnam esta sabedoria imanente, apesar de toda a violência e omnicídio incessantemente perpetrado contra os seus lugares e corpos. Apesar da agressiva extinção das suas histórias e canções, da brutal humilhação e invisibilidade dos seus deuses. Obrigado por toda a criação, por toda a escuta, paciência, e observação. O mundo precisa de vós, os vossos conhecimentos e as vossas antigas capacidades são essenciais para recriar o futuro para todos. Lamento muito que continuemos a esquecer, extrair, amordaçar e dissociar.

Honro, também, a antiga sabedoria xamânica do lugar a que pertenço. Pois esta velha sabedoria esquecida é a primeira tradução viva da língua da natureza para a cultura humana deste lugar.
Nós, portadores da cultura ocidental contemporânea, precisamos de abrir novos espaços nos fragmentos deixados pelo pensamento redutor e simplista. Precisamos de dissolver categorias, de desaprender, de modo a podermos encontrar novos paradigmas. Só conseguimos activar esta dissolução abrindo-nos a linguagens humanas e mais-que-humanas, da paisagem e ecossistema, recordando os tempos antigos em que os animais falavam. Sem esta inclusão, ficamos para sempre excluídos da acção sagrada.

🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência. 

Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.