O Caminho do Poço

{viagem pela paisagem interior}

Encontrei-me ali, sozinha no meio da vasta planície. Uma brisa quente e suave soprava-me o cabelo e o céu estava brilhante e azul. Tinha-me perdido e estava incerta do que fazer a seguir. Apesar de plano, o chão ondulava sob os meus pés, como uma maré suave. Mesmo com a desconcertante suavidade da ondulação, o movimento líquido e palpitante do chão, dava-me vertigens. Senti necessidade de procurar terra firme. Encontrei um rochedo além à frente. Caminhei para lá a passo incerto, mas em vez de me aproximar, o rochedo parecia cada vez mais longe. Pelo chão ondulante o equilíbrio era um desafio, exigia um caminhar lento e uma intenção focada na direcção.

Eventualmente cheguei ao rochedo onde achei que me sentiria segura. Subi-lhe para cima, a pedra rugosa aquecida pelo sol em contacto com a minha pele. Uma vez lá em cima senti-me perdida de novo. Dali só via planície ondulante a toda a volta. Eu estaria viva? E a planície? A brisa quente continuava a soprar e, quando olho para o centro da rocha vejo um poço. Fundo. Fundo. Fundo. Escuro. Escuro. Escuro. Não por aí não! Arquejei com urgência. Mas assim que o vi estava dentro dele, bem no fundo. Seco, esgotado e vazio. Paredes duras, massivas e pesadas. Chão de rocha e terra. Fundo na sombra densa. Grito, mas não sai som. Ouço da brisa lá em cima, no longínquo e brilhante lá em cima. Grito mais uma vez em silêncio. Nada.

Nada.

Nada.

Só o peso opressor do poço seco e fundo.

Respiro fundo. Mas ainda sinto a urgência de sair. Passadas eras de aqui me encontrar imobilizada, num tempo distendido por gerações, uma gentil mão humana emerge subitamente do chão. Uma mão feminina, suja de terra. Uma mão-ajuda que me chama. Um eco de apoio, que me pede silêncio. Shhhh! Suspensa entre suspiros dou-lhe a mão. Apertamo-nos com força e, repentinamente, ela suga-me para dentro da terra. Dentro. Dentro. Dentro. Numa viagem rápida e apertada. Num movimento visceral adentro do chão. Tudo à minha volta pesa toneladas, e eu não consigo respirar. Não consigo respirar. Rochas, terras e raízes passam velozes. E depois a luz de novo, tanta que me encandeia os olhos.

Agora encontro-me aqui. Na planície do chão ondulante, com a brisa a soprar-me o cabelo. Vejo a rocha além. A palpitação do solo coincide com o ritmo do meu coração. Agora estou à sombra de uma pequena árvore e, apesar do seu movimento incessante, este chão ancora-me. A seu tempo subirei a rocha de novo, pois já sei onde está o poço.

🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência. 

Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade.