A riqueza primordial dos lugares
Porque teimamos em olhar apenas para dentro?
Porque achamos que o nosso bem-estar físico, emocional e psíquico está apenas dependente do interior das nossas casas?
Porque controlamos e moldamos os nossos ambientes interiores segundo regras importadas de outros lugares e culturas?
Estas questões servem para nos abrir a uma realidade sistémica maior e mais inclusiva, tornar-nos conscientes e receptivos uma vez mais da integridade dos lugares que nos habitam. Como costumo referir, o nosso corpo, assim como as nossas casas estão sempre em algum lugar, lugar esse que não é um cenário abstracto, mas contexto vivo, presente e real. Lugar de interligação profunda da vida com ela própria.
Se não vejamos, saberemos de onde vem a água que alimenta a nossa casa? De que zona, qual o seu percurso ou tratamento até chegar às nossas torneiras. Sim, a água que tomamos como garantida e como um direito a cada torneira, a que nos aplaca a sede, com a qual nos lavamos e cozinhamos. De onde vêm? Qual a sua origem?
Acaso saberemos também de onde vem a electricidade que alimenta todas as nossas extremas neo-necessidades tecnológicas? Qual o seu percurso até chegar até nós e qual o seu custo real em termos ecológicos? E o gás, seja de botija ou canalizado? E a lenha para aplacar as frias noites de inverno?
Isto apenas referindo as constantes necessidades energéticas que cada casa reclama.
Ficando ainda por farejar o rasto das matérias primeiras de construção da edificação, de onde vieram, como foram extraídas, moldadas ou fabricadas? Como contrastam com as matérias originais do local. Falam a mesma língua? Como, por exemplo, quando se constrói com madeiras do norte da Europa no Alentejo, numa total dissonância entre matéria e lugar.
Apesar destas viagens e trocas a nossa casa está em determinado lugar e não noutro. Tem chão e fundação numa paisagem especifica e não noutra qualquer. O lugar que habitamos não é global e não poderia ser em qualquer outro sítio. É aqui e tem a sua história, frequência e sistema próprio, na maioria das vezes já adulterado e moldado pela excessiva e irresponsável presença humana.
Antes da casa vem o lugar, o chão sagrado que nos acompanha desde tempos primordiais.
E se, em vez de constantemente reclamarmos o que nos falta, começássemos a ouvir? Que melodias se cantam no nosso lugar? Que histórias nos sussurra? Como nos relacionamos com esta paisagem especifica que nos nutre a todo o momento? Que riquezas se escondem a cada passo no lugar onde habitamos? Como o podemos cuidar?